sexta-feira, novembro 1

Conhecimento no mercado

Empresas recorrem a universidades para lançar produtos mais competitivos

Inovações concebidas em universidades têm chegado com mais frequência ao mercado brasileiro. Essa é uma alternativa para as empresas agregarem tecnologia em produtos e processos como tem demonstrado o crescente aumento de licenciamentos de propriedade intelectual de universidades e a transformação desse conhecimento em produtos inovadores. Um exemplo de tecnologia promissora que entrou no mercado no final de 2012 é um fotômetro analisador de combustível desenvolvido no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e licenciado para a Tech Chrom, empresa gestada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da universidade (Incamp). Enquanto os testes para avaliação de adulteração de combustíveis nos postos necessitam de várias etapas e de pessoas treinadas para examinar as informações, o fotômetro – que trabalha na região do infravermelho próximo – apresenta o resultado diretamente no visor do aparelho em cerca de sete segundos. Além disso, o teste tradicional de gasolina necessita de 50 mililitros (ml) do combustível e o de etanol de 1 litro. Já o aparelho com o fotômetro funciona com apenas 5 ml de combustível inserido em um recipiente apropriado. “Só é preciso informar se a análise é de etanol ou gasolina”, diz Ismael Pereira Chagas, que desenvolveu o protótipo do analisador de combustível durante o seu doutorado e atualmente trabalha como pesquisador na empresa.
Um aporte do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, possibilitou que Chagas continuasse a pesquisa na Tech Chrom para que o protótipo se transformasse em um produto. “O desafio foi criar um equipamento pequeno e robusto que pudesse ser operado por qualquer pessoa”, diz Valter Matos, diretor da empresa. O aparelho, chamado Xerloq, tem capacidade para armazenar na memória os resultados de até 98 análises. “Também foi desenvolvido um software para imprimir o resultado da análise do combustível para o cliente do posto”, diz Chagas. Com o projeto do Pipe, a empresa conseguiu reduzir o preço de venda de R$ 6.800,00 para R$ 4.950,00. Até agora foram vendidos mais de 50 aparelhos para postos revendedores e distribuidoras de combustível. “Mas há um mercado em potencial para explorar, porque existem cerca de 39 mil postos espalhados pelo Brasil”, diz Matos.
© UFSCAR / DIVULGAÇÃO
Alface Brunela da UFSCar
Alface Brunela da UFSCar
O licenciamento de uma gordura com baixo teor de ácidos graxos saturados e isenta de ácidos graxos trans, desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos em parceria com a Cargill Agrícola (ver Pesquisa FAPESP nº 182) e utilizada como recheio de biscoitos e outras aplicações, garantiu à Unicamp uma arrecadação recorde de royalties de R$ 724 mil em 2011. As pesquisas que resultaram na nova gordura foram iniciadas na universidade ainda na década de 1990, mas somente em 2008 os resultados efetivos começaram a aparecer e chamaram a atenção da indústria.
Desde a sua criação em 2004 a Agência de Inovação Inova, da Unicamp, registrou uma curva de crescimento tanto no depósito de patentes como no licenciamento de tecnologias, um indicativo do interesse de empresas por inovações. No ano passado foram depositadas 73 patentes, assinados 13 contratos de licenciamento e registrados 29 programas de computador, números recordes para um único ano desde a primeira patente da universidade, em 1984. No total, são 63 os licenciamentos vigentes.
Para conhecer a fundo avançados sistemas de inovação, a agência celebrou em 2009 uma parceria com a Universidade de Cambridge. A Cambridge Enterprise é a subsidiária da universidade para cuidar das patentes e da transferência de tecnologia. “Depois de mais de 20 anos como uma agência de inovação da universidade, passamos em 2006 a ser uma empresa que inclusive pode investir em outras empresas. Já são 63 companhias em que investimos recursos e temos ações”, disse Shirley Jamieson, diretora de marketing da Cambridge Enterprise, na XIII Conferência da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), realizada em Vitória (ES), em junho.
As empresas no Brasil também têm procurado as universidades em busca de tecnologia. Uma roupa especial que corrige a postura corporal, criada na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pedido do fisioterapeuta Renato Loffi, dono da empresa Treini Biotecnologia, tem previsão de lançamento em 12 meses. “Uma teia de fitas elásticas interconectadas promove a tensão da roupa, o que resulta na correção da postura e prevenção de lesões”, diz o professor Pedro Vidigal, diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), agência de inovação da universidade mineira. Após trabalhar mais de oito anos no Sistema Único de Saúde (SUS), Loffi decidiu procurar o professor Sérgio Fonseca, da EEFFTO, especialista em estudos sobre movimentos humanos, para criar uma vestimenta que pudesse ser usada tanto por pessoas com comprometimentos funcionais como por atletas. A Treini, que licenciou a tecnologia, estuda o lançamento da roupa em quatro versões: terapêutica, ocupacional, esportiva e militar.
© LÉO RAMOS
Analisador de combustível da Unicamp
Analisador de combustível da Unicamp
Entre os destaques de licenciamentos da UFMG que já ganharam o mercado brasileiro está uma vacina contra a leishmaniose visceral canina chamada Leish-Tec, desenvolvida pela Faculdade de Farmácia e o Instituto de Ciências Biológicas em colaboração com o laboratório espanhol Hertape Calier. A expectativa é de que até 2014 a vacina esteja no mercado europeu. Há ainda um caso de cooperação entre empresa e universidade considerado emblemático por Vidigal. Trata-se da Crômic, uma pequena fábrica do polo de calçados esportivos de Nova Serrana, na região de Belo Horizonte, que procurava um produto inovador para se destacar no mercado e competir com os produtos chineses. “Eles queriam desenvolver uma linha de calçados esportivos inovadora”, relata Vidigal. Como não havia ninguém na universidade que trabalhasse com isso, foi criado um grupo de pesquisadores, coordenados pela agência e ligados à EEFFTO e ao laboratório de Bioengenharia da Escola de Engenharia, para desenvolver um sistema de amortecimento para solados de calçados esportivos. A inovação foi incorporada e lançada em uma linha de tênis chamada Aerobase, que hoje é o segundo produto com maior faturamento da empresa. Em 2012, a CTIT registrava 661 propriedades intelectuais – entre depósitos de patentes, registros de marcas, desenhos industriais e programas de computador. Desse total, 547 referem-se apenas a patentes. Até maio deste ano, os contratos de licenciamento de tecnologia assinados somavam 43, com 101 tecnologias licenciadas.
Grande parte da tecnologia é licenciada pelos próprios pesquisadores das universidades, a exemplo de uma inovação no processo de produção de cerveja idealizada por Éverton Estracanholli durante o seu doutorado no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), que acelerou a fase de fermentação. Ele teve a ideia de utilizar LEDs (diodos emissores de luz) durante a fermentação e com isso conseguiu reduzir entre 15% e 20% o tempo gasto no processo sem alterar a qualidade da bebida (ver Pesquisa FAPESP nº 204). O resultado alcançado fez com que transformasse seu hobby de produzir cerveja em escala artesanal na microcervejaria Kirchen, em São Carlos. “É um pequeno negócio que vai crescer, porque está atraindo também grandes cervejarias”, diz o professor Vanderlei Bagnato, diretor da agência de inovação da USP e orientador de Estracanholli. “Temos observado que, muitas vezes, os alunos que participam das pesquisas são os potenciais interessados no licenciamento das próprias patentes, inclusive por meio da abertura de uma empresa e apoio do Pipe”, diz. Em média são depositados 100 pedidos de patentes por ano pela Agência USP de Inovação, com 80 licenciamentos assinados até agora.
© TREINI
Roupa especial criada na UFMG
Roupa especial criada na UFMG
Outro exemplo de aluno que transformou o seu conhecimento em produto é o do físico Fabiano Carlos Paixão. Durante o seu doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, ele criou um instrumento de diagnóstico não invasivo para estômago, que está prestes a ser lançado no mercado norte-americano. “Fabiano criou, em sociedade com outros pesquisadores, uma start-up nos Estados Unidos para desenvolvimento do equipamento”, diz a professora Vanderlan Bolzani, diretora da Agência Unesp de Inovação. Parte do doutorado de Paixão com o tema biomagnetismo aplicado em gastroenterologia foi feito na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, com bolsa da FAPESP. Assim que ele voltou ao Brasil, foi depositado um pedido de patente para um dispositivo que permite que uma técnica biomagnética chamada BAC, usada para obtenção de imagens do trato gastrointestinal sem a necessidade do uso de contrastes radioativos, possa ser incorporada a equipamentos médicos a um custo menor. Com apenas quatro anos de existência, a Agência Unesp de Inovação conta com 51 tecnologias licenciadas. Em 2012 contabilizava 133 depósitos de patentes, além do registro de seis desenhos industriais e de 53 softwares.
Cultivares de cana-de-açúcar são o destaque nas pesquisas realizadas na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Nós temos 16 cultivares licenciados para mais de 150 usinas”, diz a professora Ana Lúcia Vitale Torkomian, diretora da Agência de Inovação da UFSCar. “Eles têm como diferencial maior produção de álcool e açúcar, além de serem mais resistentes a pragas e adaptados ao nosso clima.” Recentemente, a universidade lançou um cultivar de alface chamado Brunela, com folhas crespas como a variedade brasileira e crocante como a americana, adaptada às condições de cultivo em altas temperaturas e pluviosidade.
Os projetos de sucesso vão além do agronegócio na UFSCar. Um em especial chamou a atenção no seu lançamento: o papel sintético feito a partir de resíduos plásticos descartados pós-consumo, desenvolvido sob a coordenação da professora Sati Manrich e produzido pela empresa Vitopel (ver Pesquisa FAPESP nº 155) desde 2010. Lançado com o nome comercial de Vitopaper, o papel sintético não rasga, não molha e absorve 20% menos tinta na impressão. Com pouco mais de cinco anos de atividade, a agência de inovação registra 93 depósitos de patente e o licenciamento de 12 patentes, uma marca, um programa de computador, além dos cultivares.
Projetos

1. Produção de gordura low trans e sua aplicação em alimentos (2005/54796-4);Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Lireny Guaraldo Gonçalves-Unicamp; Investimento R$ 267.760,00 (FAPESP).

2. Viabilização de produção em escala de um fotômetro para determinação do teor de etanol em álcool combustível e gasolina (2011/51061-4 e 2011/52004-4);Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) e Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe); Coord. Ismael Pereira Chagas-Tech Chrom;Investimento R$ 205.667,29 (FAPESP) e R$ 195.930,00 (Finep).
3. Estudos em filmes multicamadas de compósitos de termoplásticos virgens e reciclados para aplicações em escrita e impressão (2003/06113-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Sati Manrich-UFSCar;Investimento R$ 69.518,53 (FAPESP).

FONTE: revistapesquisa.fapesp

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