terça-feira, janeiro 28

Financiamento do ensino superior enfrenta desafios, avalia pesquisador

Setor disputa recursos com outros setores prioritários para o Estado e enfrenta pressão por aumento do número de vagas, diz Carlos Luque, professor da FEA-USP (foto: Eduardo Cesar/FAPESP)

O financiamento do sistema de ensino superior no Estado de São Paulo enfrenta três grandes desafios, de acordo com Carlos Antonio Luque, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).
O primeiro é a disputa por recursos com outros setores também prioritários para o Estado, como saúde, transporte e segurança pública. O segundo, situado dentro do próprio setor educacional, está relacionado à competição por recursos com o ensino básico.
O terceiro desafio está no próprio cerne do sistema de ensino superior paulista e se refere à pressão pela expansão do número de vagas nas universidades públicas paulistas, afirmou Luque em palestra proferida no dia 23 de janeiro no simpósio Excellence in Higher Education. Realizado pela FAPESP em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o encontro teve como objetivo debater os determinantes da excelência no ensino superior no Brasil e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas.
“Esses três desafios tornam bastante complexa a definição orçamentária e o financiamento do sistema de educação superior de São Paulo e de outros estados brasileiros”, disse Luque.
De acordo com o pesquisador, que foi secretário adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo de 1995 a 2005, apesar do reconhecimento da importância do investimento público em educação, o setor compete diretamente e, muitas vezes, leva desvantagem na disputa por recursos com outros setores na definição de orçamento de Estados e municípios do país.
“Há setores, como o de segurança pública, cujos gastos são normalmente corretivos (ou seja, não resolvem as causas primárias dos problemas) que acabam ganhando um caráter emergencial e são priorizados na definição de orçamentos públicos no Brasil e, eventualmente, em outros países”, afirmou o pesquisador, que é diretor-presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A fim de preservar e assegurar recursos para a educação nas definições orçamentárias, a Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu que o governo federal deve aplicar 25% de sua receita líquida de impostos no setor como um todo – incluindo ensino básico e superior –, disse Luque.
O exemplo foi seguido na esfera estadual em São Paulo, que também estabeleceu em um dos artigos de sua Constituição que o governo paulista deve aplicar, no mínimo, 30% de sua receita líquida de impostos na área educacional.
Outros setores também pleitearam e obtiveram o benefício, chamado vinculação orçamentária. O setor da saúde, por exemplo, conseguiu assegurar 12% da receita líquida de impostos para financiar suas ações, exemplificou Luque.
“De cada R$ 1 arrecadado pelo governo do Estado de São Paulo hoje na forma de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], aproximadamente R$ 0,60 [60%] já está destinado a essas vinculações orçamentárias”, detalhou Luque. “O que resta de liberdade orçamentária ao Estado são R$ 0,40 de cada R$ 1 arrecadado.”
Dessa forma, se por um lado a vinculação orçamentária protegeu o investimento público em educação, por outro limitou o financiamento no setor, que tem de disputar recursos com outros que não possuem vinculação orçamentária, avaliou Luque.
“O que acontece é que o patamar mínimo de 30% de investimento da receita líquida de imposto arrecadado pela Estado para a educação acaba tornando-se o limite máximo”, explicou. “Para sair do patamar de 30% e caminhar para 30,1% ou 30,2%, por exemplo, é muito difícil.”
Outro problema gerado pela vinculação orçamentária que começou a ser discutido pelos gestores dos recursos públicos nos últimos anos, de acordo com Luque, é que há uma percepção de que ela cristaliza prioridades.
Para atingir o mínimo de 30% de aplicação da receita líquida de impostos arrecadados pelo governo estadual em educação e 12% na área da saúde, por exemplo, não raro são apoiados projetos que, juntos, atingem esse patamar de financiamento, mas não são prioritários, apontou o pesquisador.
A fim de tentar corrigir essas distorções nas definições orçamentárias, nos últimos anos começou-se a discutir nos âmbitos federal e estadual a desvinculação orçamentária.
“Há uma discussão de que é necessário fazer a desvinculação de recursos”, disse Luque. “O governo federal há alguns anos tomou essa medida em relação ao uso dos recursos da União para ter maior liberdade de execução orçamentária.”
Concorrência com a educação básica
O sistema público de ensino superior também disputa recursos dentro do próprio setor educacional com o ensino básico, disse Luque. Em 1996, começou-se a discutir no Brasil a necessidade de proteger os investimentos públicos no ensino fundamental. Para atingir esse objetivo, foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef).
A medida estabeleceu que, do total de 30% da receita líquida de impostos que os Estados devem aplicar na área educacional, 15% devem ser destinados à educação básica.
Em 2006, com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), esse patamar foi elevado para 20%. Com isso, 10% ou menos do total da arrecadação tributária estadual são aplicados no ensino superior, destacou Luque.
“No caso de São Paulo, há uma lei ordinária, enviada anualmente para aprovação na Assembleia Legislativa, que faz a vinculação dos recursos das universidades e estabelece que o Estado deverá repassar, no mínimo, o equivalente a 9,57% de sua receita do ICMS para as instituições públicas de ensino superior paulistas”, disse.
“Ao somar os 20% dos recursos públicos que devem ser destinados para a educação básica com os 9,57% que precisam ser alocados na educação superior, o patamar de 30% de investimento público total em educação já se esgotou”, disse Luque.
A demanda pelo aumento do número de vagas no sistema de ensino público superior paulista pode causar o acirramento da disputa por recursos do setor com o ensino básico e fazer com que haja uma pressão para elevar o patamar de investimentos do Estado em educação, avaliou o pesquisador.
“Dependendo de como evoluir a economia do Estado de São Paulo e, consequentemente, a arrecadação do ICMS, a disputa por recursos entre o ensino superior e a educação básica pode gerar uma discussão de que o atual patamar de 30% de investimentos no setor é insuficiente”, disse.
“A questão será se o Estado aumentará seus investimentos no setor acima desse limite de 30% ou internalizará uma pressão entre educação básica e ensino superior”, apontou Luque.
Se a economia do Estado crescer e, por conseguinte, aumentar a arrecadação de ICMS do Estado, essa disputa por recursos entre educação básica e o ensino superior tende a ser amenizada, segundo Luque. Caso contrário, deve tornar-se mais acirrada. 

FONTE: FAPESP

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