Entender os movimentos corporais é uma competência fundamental nas relações do século 21
Quantas vezes na vida você se lamentou de ter feito uma escolha errada ao se aproximar de uma pessoa que depois o decepcionou? Um relacionamento amoroso, uma sociedade, um parceiro de projeto ou um membro de sua equipe de trabalho podem ser uma frustração ou uma dor de cabeça para muitos anos – às vezes, para a vida inteira.
Escolhemos parceiros e amizades pela palavra, pelo discurso, pela sensação de que naquela pessoa há algo interessante, no qual vale a pena investir. Na medida em que o tempo vai passando, muitas vezes percebemos que as palavras eram apenas moedas de sete reais, falácias que a linguagem permite e às vezes estimula.
Igor Caruso, importante psicanalista, diz que qualquer separação de um amigo, de um familiar, de quem se amou ou em quem se confiou é sempre um sofrimento, seja para os que sentiram ódio, seja para os que reagiram com indiferença, os que ficaram perplexos e os que demonstraram autoconfiança.
Que tal aprender uma técnica, um novo formato de apreciar o outro, baseado em observações sobre o corpo e seu desempenho, e transformar o gestual corporal num discurso, que você pode aprender a perceber e, a partir dele, fazer julgamentos ou concluir escolhas?
O corpo não é apenas um comportamento biológico. É uma representação da sociedade, ou seja, é um fato social, econômico e cultural. Seu corpo é um imenso curriculum vitae, que passeia por aí, podendo ser lido e compreendido por um olhar cuidadoso. Ao mesmo tempo, o corpo significa a vida e a morte, o normal e o anormal, o sagrado e o profano, o puro e o impuro. Observar os gestos da cabeça, das mãos, dos braços, do corpo inteiro, enfim, é uma nova sabedoria sobre o indivíduo, indispensável nas relações do século 21. As maneiras de chamar alguém, de cumprimentar, de indicar objetos, de mandar alguém embora, de ofender, de indicar intimidade, de expressar desconfiança, raiva ou amizade são gigantescos letreiros que dizem: “Eu sou assim”.
Mas o corpo não é apenas o espelho da vida, é o ponto de referência mais forte de expressões que repetimos a cada dia, sem perceber:
- A raiva, o ódio e a cólera são muitas vezes atribuídos ao fígado, a inveja está associada ao baço, perverso é quem não tem entranhas, muitas vezes ficamos com um nó na garganta ou perdemos a fala, um sólido amigo é um amigo do peito.
- Precisamos ter estômago para suportar certas injúrias, há pessoas de coração mole, de fibra, de sangue quente. Há os que têm garra e os que lutam com unhas e dentes, os que são também carne de pescoço. Existem os clássicos pé-frio, cabeça de chapa, calcanhar de Aquiles, nariz de cera, dedo-duro e pulso dos acontecimentos.
- Coisas caras custam o olho da cara, ser falastrão é bater com a língua nos dentes, comer muito é ter boca nervosa, dormir é tirar uma pestana, fugir é dar no pé, o invejoso tem olho grande e o teimoso é cabeça-dura. Conversa sofisticada é papo cabeça e tristeza amorosa é dor de cotovelo. Avarentos são unha de fome ou mão de vaca. Espantar-se é ficar de cabelo em pé.
Se você quiser, pode desenvolver um aplicativo para “criar” um corpo, como um deus moleque, a partir dessas expressões.
Em nenhuma outra coisa ou setor do pensamento você pode encontrar tantas palavras que definem comportamentos e sentimentos. O corpo é o espaço em que mais buscamos significados para a vida cotidiana. O comportamento corporal é uma forma de expressão, objeto de fácil leitura para quem aprende como decifrá-lo. Quando nos comunicamos, recebemos signos verbais e não verbais, tácteis, visíveis e audíveis: contatos corporais de diferentes tipos, posturas, aromas, aparência física, expressões faciais, direção do olhar, altura da voz, timbre.
Até o cumprimento, com a mão direita ou com a esquerda, com firmeza ou sem firmeza, com entusiasmo ou de maneira arredia e envergonhada são traços de personalidade e caráter. Um livro do francês Robert Hertz intitulado A Proeminência da Mão Direita é um clássico sobre o assunto.
E o que dizer dos preceitos de higiene, de manifestação de sentimentos extremos como gargalhar ou chorar, ou mesmo da posição do queixo, do nariz ou dos olhos, que se revezam da extrema humildade e resignação até a arrogância?
No corpo está simbolicamente impressa a estrutura social. A atividade corporal – andar, falar, mexer-se, olhar – não faz mais do que tornar expressa nossa visão de mundo, nossa cultura emocional, nossos desejos e, em muitos casos, o espelho de nossa criação.
Qual é o instrumental que devemos utilizar para reconhecer numa pessoa alguém que nos emociona, que nos traz um bom sentimento, uma sensação positiva, diferentemente daqueles que, em pouco tempo, classificamos como “odiosos”, “tristes”, “nojentos”?
Há no corpo humano e na natureza do homem uma grande contradição: somos um ser da natureza e, portanto, animais. Ao mesmo tempo, somos seres educados, ou seja, aculturados. Representamos o que a sociedade quer, um corpo “que pensa e pondera”, e também um corpo da natureza, “impuro”, “sensual” – o que a sociedade, qualquer sociedade, tem dificuldade em aceitar.
A palavra “coração” aparece na Bíblia mais de mil vezes, raramente com seu sentido fisiológico. Trata-se de dar nome ao centro da vida, dos instintos emotivos, éticos e até mesmo de conhecimento. Não se conhece apenas com a cabeça, o conhecimento com o coração faz parte da história de todos os tempos.
Que tal aprender a ouvir, de fora para dentro, as batidas de um coração, da normalidade ao descompasso, da pressa à quietude, do assombro à alegria?
Já pensou quanto isso valerá para a sua vida, em qualquer dimensão, em qualquer idade, em qualquer atividade? O corpo fala, e quem não ouve dança.
PS: Este artigo tem como fonte dois livros essenciais: Tabu do Corpo, de José Carlos Rodrigues, e A Separação dos Amantes, de Igor Caruso.
PS 2: Quais outras expressões têm o corpo como fonte? Deixe sua contribuição no espaço de comentários deste texto.
FONTE: revistapegn.globo
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