quarta-feira, outubro 23

REINVENÇÃO DA GESTÃO: OLHE PARA A BASE

Valorizar as pessoas, ouvindo seus anseios, é um 

dos passos para reinventar a gestão


Olhar para fora da empresa e ter a capacidade de traduzir as principais tendências sociais, políticas e econômicas do Brasil e do mundo para ela. Em um ambiente de constante transformação, estar a par do que acontece além dos muros da companhia em muito pode contribuir para ajustes de rotas na estratégia e na reinvenção da gestão, tema central da edição deste ano do 39º Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (CONARH). 

Mas que mundo é esse? Quais as principais tendências que merecem nossa atenção? As recentes manifestações ocorridas no país em junho e a relação delas com os demais avanços da sociedade nos últimos anos, por exemplo, fizeram parte da pauta de discussões do maior evento sobre gestão de pessoas da América Latina. Quem tratou desse assunto foi o sociólogo e presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele embasou seu discurso tomando como referência outros movimentos ocorridos pelo mundo, como o Occupy Wall Street, realizado em Nova York, por exemplo, e explicou sua visão sobre uma nova categoria de cidadãos brasileiros.

"Estamos vivendo um momento muito especial do ponto de vista sociológico, em que aquela sociedade que parecia composta por massas inertes, na verdade, é composta por pessoas que querem, sim, opinar e ter peso nas decisões; e isso é muito novo no Brasil. É o renascimento de uma sociedade. Não é um partido chamando, ou um líder, mas a vontade de cada um de querer manifestar sua opinião que tem levado as pessoas para as ruas", afirmou. 

Segundo ele, o momento é crucial e muito rico e é preciso dar sentido aos rumos que são tomados pelos pequenos movimentos que aderem à causa. A população quer fazer parte da deliberação e quer transparência nas discussões. O acesso à informação alternativa, com o avanço das redes sociais, se tornou uma forte ferramenta para mostrar ao mundo e à sociedade de massas esses pontos que se tornam cruciais para novas causas e novos objetivos. 

Legado corporativo 

E os reflexos disso para as organizações? Como elas devem se portar com o poder nos papéis de liderança? Sobre esse ponto, FHC explicou que as empresas estão deixando de verticalizar o poder cada vez mais. "Elas devem democratizar o poder, tornando-o cada vez mais horizontal. Devem abrir espaço para que os colaboradores exerçam o seu papel de liderança e, além disso, ouvir muito mais as pessoas", disse. "É preciso tornar as instituições mais flexíveis para entender e captar as tendências sociais, para perceber o novo, esse momento de que cada um quer participar", frisou. Não é uma tarefa fácil adquirir essa postura capaz de atender aos anseios surgidos por esses novos atores sociais. E nesse ponto FHC destacou o papel de RH como uma espécie de ponte e tradutor desse novo mundo para as empresas. 

E foi exatamente sobre esse novo mundo que Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia (EUA) e fundador do Centro de Diplomacia Empresarial (Brasil), comentou em sua palestra, por meio de uma analogia aos livros Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell. Se esses autores visitassem nosso mundo atual e nossas empresas, o que diriam que mudou de lá para cá?


Segundo Troyjo, existe hoje uma liberdade no mundo que não estava prevista em nenhum desses dois livros. "Ambos criavam um engessamento da capacidade de inovação e o que temos testemunhado hoje é um processo de metamorfose da inovação, que vem da capacidade de reinvenção das grandes corporações. Atualmente, das 30 maiores empresas, 14 delas não existiam há 20 anos e enxergamos esse fator como resultado de projetos inovadores", explicou. 

Inovação: isso é o que falta para nosso país despontar na frente dos países que formam o bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). "As pessoas ainda confundem criação e inovação. Para que possamos transformar criatividade em inovação, os principais caminhos são: conhecimento, acesso ao capital, empreendedorismo e a criação de um ecossistema para que esses três setores possam se desenvolver", contou. "Precisamos voltar nossos olhos para a China, que direciona 1% do seu PIB para inovação, e em 2025 provavelmente ultrapassará os EUA, tornando-se a nação mais rica do planeta", alertou o especialista. 

Déficit de inovação 

Troyjo observou que o Brasil possui um potencial muito criativo, mas pouco inovador, já que grande parte das empresas e o governo possuem dificuldade de introduzir seus inventos no mercado, o que a China tem realizado muito bem. "Apesar do aumento do número de universitários, o Brasil lança por ano apenas 250 patentes para a comunidade científica mundial, enquanto os chineses já ultrapassam as 2.500", ilustra. E grande parte desse gargalo inovador vem também do governo que, segundo ele, protege sua economia local do mundo e não estimula a introdução de novos empreendedores na economia. "O país precisa deixar de ser um partido para ser uma empresa, que funcione com planejamento e metas para os próximos anos", destacou. 

Em um país que exporta criatividade na música, nas artes e na alegria, ele vê um grande potencial de empresas que possam integrar a inovação em seu plano de negócios, e o primeiro passo é que o RH crie uma situação "geomental". "Antes de qualquer mudança, é preciso que os líderes absorvam o conceito de inovação para transmiti-lo de forma persuasiva às suas equipes", alertou. 

Reinventando a marca

Um dos casos famosos de empresas que trouxeram inovação, lembrado por Troyjo, foi a tradicional Montblanc. A marca secular de canetas assistiu a uma queda das vendas de seu carro-chefe com o avanço da internet, mas se reinventou lançando perfumes e relógios da marca, que elevaram a Montblanc ao status de grife e objeto de desejo de consumidores no mundo todo. 

Outro passo é focar a educação e o conhecimento. "Muitos de nós tínhamos a cultura de que a educação era uma fase que passava por nossa infância. Quando atingíamos a fase adulta, ingressávamos na faculdade. Após isso, começávamos a vida corporativa e deixávamos as salas de aula. Esse formato de mundo não existe mais, o profissional de hoje não para mais de se aperfeiçoar, esse diálogo entre o mundo do saber e o mundo do fazer irá se perenizar", disse. 

Aspectos complementares 

E qual é o RH que existe hoje para realizar esse diálogo? Qual o perfil mais desejado para isso? Operacional ou estratégico? Aquele que vê a empresa como sua, sem dúvida. E que vê pessoas não como recursos, mas como talentos, conforme bem explicou Cícero Penha, vice-presidente corporativo de talentos humanos do Grupo Algar, na palestra Se essa empresa fosse minha

No grupo com sede em Uberlândia (MG), a média anual de investimentos em qualificação chega a 12 milhões de reais - o que torna evidente a preocupação da organização com o caráter estratégico da área. No entanto, Penha enfatizou que ambos os aspectos são importantes. Ou seja, se o operacional não funciona de maneira eficiente, compromete todo o recurso aplicado em estratégia.

Para o executivo, as ações promovidas pelo RH devem necessariamente envolver a construção de aliados, parceria com lideranças, inspirar credibilidade, confiança, pragmatismo e resiliência. E ainda fazer o óbvio bem feito: muita conversa e habilidade de negociação - principalmente com as áreas financeira e jurídica -, jogo de cintura para lidar com ambiguidades, evitar passivos trabalhistas, nunca descuidar dos investimentos em educação continuada e preservar os talentos, uma das missões nobres de recursos humanos. E foi a partir da discussão sobre a vocação e a missão de RH que Lilian Guimarães, vice-presidente executiva de RH, e Viviane de Paula, superintendente executiva de RH, ambas do banco Santander, chegaram a uma conclusão: o que vale são as pessoas. 

Foi em um importante momento da organização, durante a fusão dos bancos Real e Santander, que Lilian e sua equipe decidiram enfrentar um grande desafio: gerar um RH transformador, focado na experiência individual das pessoas. No caso do Santander, isso significou trazer para o debate o conhecimento de 50 mil colaboradores para criar novas fronteiras de relações de trabalho. "Nosso objetivo era que cada funcionário se sentisse único, ouvido, que tivesse suas expectativas atendidas. Há pouco mais de dois anos colocamos em prática o modelo que possibilita a todo colaborador ser o protagonista de sua carreira", explicou Lilian. 

Makeover profissional 

Para protagonizar seus próximos passos na companhia, os colaboradores tiveram de contar abertamente ao Santander suas expectativas de vida e carreira. Mas, antes disso, a companhia os preparou para o desafio. "Ao longo de dois meses, eles foram preparados para falar sobre o assunto participando de workshops, oficinas, em sessões sobre o modelo de gestão de RH adotado e em conversas com líderes de células", contou Viviane . 

De acordo com Lilian Guimarães, o projeto esbarrou em dificuldades, mas os resultados de implantar um modelo inovador são visíveis. "A satisfação dos funcionários em relação ao RH aumentou consideravelmente assim como o engajamento de quem trabalha na área", afirmou. O projeto resultou no remanejamento de 50% dos envolvidos, dado que comprova a eficácia da experiência. 

Tecnologia para pessoas 

Pessoas também estão na base de uma empresa que hoje é sinônimo de tecnologia: o Google. Não foi da noite para o dia que a companhia tornou-se uma das empresas mais cobiçadas para quem procura um novo emprego. Ela, que recebe 2,5 milhões de currículos por ano, trouxe ao mundo corporativo uma nova forma de gerir pessoas, assim como os serviços que oferece mundialmente. 

Mas por trás dessa organização que tem a tecnologia como matéria-prima, existe uma área que pensa em tempo real qual a melhor forma de atrair, recrutar e manter funcionários satisfeitos, a Google People's Analytics. Trata-se de um departamento formado por psicólogos, cientistas sociais e analistas de dados que constituem o coração do RH da empresa que melhor representa a nova economia. 

Brian Welle, diretor do Google People's Analytics, explicou durante sua apresentação no evento que a companhia utiliza conceitos científicos e diversas pesquisas baseados nas informações sobre aspirantes a ingressarem na companhia e quem já faz parte do time. "Precisamos de pessoas que gostem e saibam mexer com informações de forma analítica para que estejam acessíveis e agradem aos nossos clientes", ressaltou Brian. 

A tarefa para o RH do Google é desafiadora, já que a empresa precisa se comunicar de forma eficaz com engenheiros e desenvolvedores de software, que muitas vezes não conversam entre si. "São constantes as pesquisas que realizamos junto aos funcionários para saber como está sua relação com os gerentes ou até mesmo se as áreas para alimentação são agradáveis", ilustrou. 

E por falar em relação entre lideranças e demais colaboradores, um dos pontos altos do CONARH foi a palestra da coronel Cláudia Araújo Romualdo, comandante da 1ª Região da Polícia Militar de Minas Gerais. Convidada para falar sobre como gerir com emoção em qualquer ambiente, ela mostrou que é possível sim agir com sensibilidade quando se trabalha na Polícia Militar, em situações que na maioria das vezes incluem violência e conflitos. 

Profissional com 27 anos de carreira e primeira mulher a ocupar o cargo em 236 anos da corporação, Cláudia é uma oficial "linha de frente", ou seja, gosta de estar nas ruas em contato direto com a população e seus subordinados. "Não gosto de trabalhar dentro da minha sala, acredito na proximidade entre as pessoas. Quando alguém precisa recorrer à ajuda da polícia normalmente está em situação vulnerável, fragilizado. E é justamente nessas ocasiões que deve ser atendido com gentileza, atenção e cuidado. É preciso que as pessoas vejam no policial uma solução e não mais um problema", avaliou. Com sua equipe, ela procura agir de maneira democrática e incluir as pessoas nos processos de decisão. Para ela, conhecer o melhor possível cada um e identificar suas necessidades e talentos são alguns dos principais atributos de um líder de sucesso. "Trato a todos como gosto de ser tratada e lamento a falta de tempo e oportunidade para conhecer melhor os mais de cinco mil policiais que estão sob meu comando em Belo Horizonte", disse. Um bom exemplo a ser seguido. 

FONTE: RevistaMelhor


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