Os gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos
Advertência: esse post é uma resposta aos comentários dos leitores ao post anterior, "O ônus da cultura do funcionalismo público", cuja leitura é recomendada.
Eu sabia que iria gerar polêmica. Eu sabia que iria levar pedrada.
Mas alguém tem que fazer o trabalho sujo. Agradeço, de antemão, a todos
que comentaram o artigo O Ônus da Cultura do Funcionalismo Público. Meus amigos, apenas gerando discussões e debates, somos capazes de avançar. Aviso que irei me estender um pouco...
A minha preocupação central é justamente com a corrida em todo o
Brasil por vagas no setor público cujo trabalho em nada acrescenta ao
crescimento econômico do país. Quando falo de crescimento econômico,
isso não desmerece a importância do serviço público ou dos funcionários
públicos. Todos cumprem o seu papel na operacionalização da máquina
estatal, sem a qual não viveríamos. Em nenhum momento digo que o setor
público é inútil ou "inerte" (como esbravejou um leitor)...
Em 2007, a revista Veja publicou uma matéria de capa com a seguinte
chamada: 5 milhões de brasileiros irão prestar concurso público naquele
ano. Número de vagas? 100 mil. A Veja dessa semana aponta o seguinte
número de candidatos para 2011: 12 mihões! Mais do que
dobramos o número de candidatos em apenas 4 anos. É muita gente para
pouca vaga, e o estado tem um limite. Não é preciso criar modelos
matemáticos para prever o que irá acontecer com essa turma nos próximos
10 ou 20 anos...
Outro dia soltei uma frase no Twitter que gerou uma grande repercussão e que é oportuna reproduzi-la aqui: Os
gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da
humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos.
Darko Novakovic/ iStockPhoto | ||||
Os gênios americanos criam empresas fantásticas que mudam os rumos da humanidade. Os gênios brasileiros passam em concursos públicos |
Para gerar crescimento econômico, é preciso investir em ciência e
tecnologia, inovação e desenvolvimento de novos negócios. Esse é um
postulado econômico puro e simples. Entretanto, grande parte de nossos
maiores talentos, pessoas capacitadas, sente-se muito mais atraída pelo
eldorado chamado serviço público, devido, principalmente, aos atrativos
citados no início do artigo –(...)salário vitalício, benefícios
garantidos pelo Estado, estabilidade, carga horária conveniente(...).
Essas pessoas, por exemplo, poderiam contribuir para a melhoria das
condições do setor privado – que é quem leva o Brasil nas costas -, seja
estudando a fundo a problemática das empresas, seja colocando em
prática a sua visão de excelência, servindo de exemplo e referência para
outras empresas e outros profissionais.
Esse é o ponto central de meu artigo, que desenvolve a seguinte linha de raciocínio:
A instabilidade econômica e escassez de empregos ocasionam o
desinteresse por empreender e a buscar empregos na iniciativa privada.
Ao mesmo tempo, elevam o interesse de muitos por vagas no setor público,
em virtude das "vantagens" citadas anteriormente. Um número incontável
de pessoas com preparo e talento passa a se dedicar – e com uma certa
obsessão – a passar em algum concurso. Logicamente, o setor público não
pode absorver todo esse contingente de pessoas. Logicamente, alguns
passam, mas a imensa maioria permanece se preparando continuamente, na
espera de algum dia ser aprovado. Enquanto se preparam para os
concursos, não desenvolvem habilidades e competências essenciais na
iniciativa privada. Os conhecimentos que adquirem nessa jornada são
rasos. Sabe mais quem sabe um pouco de tudo para poder fazer a prova, e
saber um pouco de tudo é o mesmo que nada: não provoca avanços na
ciência, tampouco estimula a inovação e tampouco fomenta novos negócios.
Tais conhecimentos, arrisco-me a dizer, também não são úteis para
promover melhorias significativas no próprio setor público. Por quê?
Porque o sistema burocrático tem auto-defesas muito fortes.
Se enxergarmos a sociedade através do prisma da burocracia ,
iremos encontrar um grande sistema de dominação. A maior parte dos
Estados contemporâneos se caracteriza por uma ordem política
"nitidamente burocrática", embora seja importante fazer a ressalva das
diferenças que podem existir de base moral, legal e material de sua
autoridade. Um importante pensador da Administração, Fernando Carlos
Prestes Motta (já falecido), compartilhava a visão de Claude Lefort de
que "a burocracia é um grupo que tende a fazer prevalecer um certo modo
de organização, que se desenvolve em condições determinadas, que se
amplia devido a um certo estado da economia e da técnica, mas que
somente é o que é em sua essência, em virtude de uma atividade social".
Ressalta-se, nesse conceito, a questão da atividade social fazendo
menção à intenção dos burocratas de se constituírem em um grupo à parte,
de um sistema de poder coletivo definido a partir de sua oposição à
ausência de poder dos dominados. Cita-se também a sua intenção de se
organizarem em um "sistema de mando e subordinação que estabelece
diferenças materiais e de prestígio entre os membros do grupo". Para
Motta, o fenômeno burocrático caracteriza-se por um conservadorismo
expresso especialmente na manutenção e expansão de uma situação de
privilégio.
A essência desse fenômeno é a mesma em qualquer dos sistemas
políticos das classificações usualmente feitas. No lugar de representar
uma ponte entre os interesses particulares e os coletivos, a burocracia
serve a seus próprios interesses – "uma corporação que se defende em
oposição às demais corporações". A esse respeito, o seguinte trecho da
obra de Motta merece destaque:"Enganam-se os que julgam a competência da
burocracia pela satisfação dos interesses da sociedade civil. Nesse
sentido, a burocracia é sempre incompetente, já que como círculo fechado
vive para si própria. A competência da burocracia precisa ser vista na
sua capacidade de manutenção e expansão enquanto sistema de poder".
Mais uma vez – e já me encaminho para o final -, o setor público é
indispensável em toda e qualquer sociedade. Uma das características dos
países desenvolvidos é justamente o perfeito funcionamento das suas
instituições, elemento fundamental para que os atores sociais se
desenvolvam e contribuam para o desenvolvimento de seu país (questão
central também do pensamento de Douglas C. North, Nobel de Economia).
Porém, como coloquei já no fim do artigo, o Estado brasileiro não faz
sua parte. Pelo contrário, joga contra. Nesse sentido, estamos em um
mato sem cachorro.
O estado por si só não se sustenta. É preciso uma economia de
mercado dinâmica para sustentar as atividades do estado, de forma que o
estado possa desempenhar o seu papel de forma excelente, devolvendo à
sociedade em forma de serviços essenciais aquilo que a sociedade lhe
proveu na forma de tributos. Entretanto, falta dinamismo ao setor
privado brasileiro. E eis aqui algo que me tira o sono de noite. Nosso
setor privado realmente não é eficiente, o empreendedorismo brasileiro,
no geral (e essa é uma generalização necessária), é muito rudimentar,
surgindo muito mais por necessidade do que pela identificação de
oportunidades. Não há diálogo entre academia e mercado. E, ao invés de
termos pessoas debruçadas sobre os problemas enfrentados por nossas
organizações, pesquisando, inovando ou empreendendo, temos um êxodo
cada vez maior dos nossos talentos em busca do setor público.
A questão não é se o setor público brasileiro é eficiente ou
ineficiente. A questão é que o nosso setor privado precisa de pessoas
capacitadas, talentosas e inteligentes, mas grande parte de nosso
contingente pessoal com essas características sente-se muito mais
atraída por cargos públicos. Do ponto de vista individual, todos aqueles
que almejam vagas no setor público estão mais do que certos. Lógico:
por que eu deveria me esforçar para atuar em um campo cheio de riscos,
sem segurança e sem estabilidade, quando posso trabalhar para o estado,
sem me preocupar pelo resto da vida? Porém, o ônus do ponto de vista
coletivo é muito alto, pelas razões expostas nesse post e no referido
artigo.
FONTE: administradores
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