Algumas ONGs e fundações já oferecem a possibilidade de conciliar trabalho com propósito e crescimento de carreira
Juliana Gregory Cavalcante, que saiu de
uma consultoria para trabalhar com gestão de projetos educacionais na
Fundação Lemann: “A cada semana eu recebo a notícia de que um amigo está
saindo de alguma empresa para trabalhar com educação, saúde. É uma
coisa forte da minha geração.”
Muita gente sonha em trabalhar por uma causa nobre, numa
atividade com um significado maior. Porém, realizar esse sonho
geralmente passa pelo dilema de ter de abrir mão de status, salário
competitivo e uma série de benefícios proporcionados por uma empresa.
Felizmente, já há bons exemplos de entidades do Terceiro Setor em que
essas premissas não precisam ser verdadeiras. De fato, a remuneração
ainda não é equivalente, até porque uma organização sem fins lucrativos
não tem como pagar prêmios de participação nos lucros, por exemplo. Mas
essa diferença tem diminuído.
Para ter uma ideia, gerentes do Terceiro Setor ganham, em média, 10.000
reais, enquanto pessoas com o mesmo cargo em empresas privadas recebem
11.700 reais, segundo uma pesquisa de remuneração
da consultoria de recursos humanos Hay Group. Os profissionais que
trabalham em ONGs, fundações e entidades beneficentes tampouco costumam
receber bônus. Mas há algumas exceções.
A Fundação Lemann, com sede em São Paulo e atuação na área de educação,
é uma delas. Na organização, criada em 2002 por Jorge Paulo Lemann, um
dos donos da cervejaria AB InBev, as bonificações são tratadas da mesma
forma que na empresa. Quando as metas são batidas, os funcionários
recebem prêmios que podem até dobrar o salário.
“O pagamento de bônus sempre existiu, mas nos últimos anos estamos
aprimorando os sistemas de metas. É um processo em evolução constante”,
diz Elizabeth MacNicol, gerente administrativo-financeira da Fundação
Lemann, que criou até um programa de trainees. As vagas são poucas —
apenas duas —, mas o projeto já recebeu mais de 5.000 inscrições.
“Conseguimos atrair pessoas muito qualificadas que, provavelmente,
estão concorrendo em programas similares em empresas maiores”, diz
Elizabeth. “Queremos ser reconhecidos como uma marca empregadora, para
pessoas com esse viés social”, afirma.
A política bem estruturada de gestão de pessoas
da entidade foi decisiva para que a engenheira da computação Juliana
Gregory Cavalcante, de 26 anos, tomasse a decisão de trocar a
consultoria de gestão Roland Berger pelo trabalho na Fundação Lemann. O
desejo de Juliana de ter um emprego com um propósito nobre reflete a
postura de muitos jovens de sua geração.
De acordo com uma pesquisa da Page Talent, unidade de recrutamento de
estagiários e trainees do grupo Michael Page, 63,6% dos jovens entre 18 e
24 anos valorizam os programas de responsabilidade ambiental e social
das companhias.
A procura por vagas no Terceiro Setor tem crescido tanto que o Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que representa 130 entidades
do setor, fez uma parceria com o site de empregos Vagas.com para o
cadastro de empresas e a candidatura de interessados. “Essa área é a
mais acessada em nosso site”, diz André Degenszajn, secretário-geral do
Gife.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, em 2010 havia 290.700 entidades
do gênero no país. Em cinco anos, de 2005 a 2010, o número de pessoas
trabalhando no Terceiro Setor com carteira assinada passou de 1,7 milhão
para 2,1 milhões.
“O setor ainda está amadurecendo e se profissionalizando. Ainda existem
organizações com tecnologia ultrapassada e que pagam muito mal, mas
isso tem diminuído”, diz André.
Uma das entidades que passaram por essa profissionalização foi a União
Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social (Unibes), que emprega 260
pessoas. Na organização, o bazar, tradicional fórmula para arrecadar
recursos, passou a receber a consultoria do diretor de uma empresa de
varejo, e cinco lojas fixas foram abertas.
As vendas se multiplicaram, e o setor é hoje responsável pela geração
de 25% da renda anual da entidade. Com mais dinheiro em caixa, a direção
da entidade começou a implementar, no fim do ano passado, um plano de
carreira e uma estrutura de cargos e salários, e pode até fazer
contrapropostas atraentes quando um funcionário é assediado por outra
empresa.
Outro bom exemplo vem da Fundação Avina, focada em fomentar o
desenvolvimento sustentável. A entidade, presente em vários países
latino-americanos, criou um plano de cargos e salários que considera
regiões e países, custo de vida de cada local, moeda e as respectivas
inflações. Assim, pode oferecer uma remuneração alinhada com o mercado.
“Não é porque trabalhamos por uma causa que não precisamos pagar um bom
salário”, afirma Marcia Pregnolato, diretora de desenvolvimento humano
da fundação.
Essa política foi decisiva para que o carioca Alessandro Alonso, de 40
anos, trocasse um posto de gerente de TI na HP pela Avina.
“Recentemente, até recebi uma proposta para ir para uma multinacional. O
salário era atraente, mas não tão superior ao que recebo aqui”, afirma
Alessandro. “Quando eu trabalhava na HP, sucesso para mim era dar lucro à
empresa, alcançar um cargo de diretor e receber muito dinheiro. Hoje,
entrego um projeto e vejo o impacto positivo que ele gera na sociedade.”
FONTE: Exame
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