sexta-feira, janeiro 17

Líderes devem ter 3 virtudes competitivas: humildade, humanismo e humor

Competir, superar marcas, curtir o sabor da vitória, buscar a excelência, exercitar a comparação no melhor do seu limite, sentir um prazer gigantesco que inunda a alma de orgulho. Os campeões excepcionais sentem três verdades dentro de si:
• Sensação de intenso poder e eternidade íntimos, com os feitos sensacionais realizados, dentro de si, em um compromisso com eles mesmos.
• Grande satisfação pelo que seus feitos extraordinários provocam nos demais, no entorno, na audiência, nos espectadores, no reconhecimento das pessoas.
• Humildade para compreender que sem a cooperação de muitos, da equipe, do time, dos orientadores, das estruturas, do ambiente e da imponderável sorte, ou lei do acaso, jamais conseguiriam.
Tive a chance de conviver com Pelé. Fizemos filmes publicitários juntos, viajamos e, ao falarmos de poder competitivo, o atleta do século talvez seja um dos maiores fenômenos da história do mundo. Perguntei a Pelé se havia alguma jogada que ele preparara e nunca teria feito. “Sim”, disse ele. E explicava como uma criança como faria.
A tal jogada era dar um salto mortal por cima do marcador e pegar a bola nas costas dele. Perguntei quando ele havia assumido a liderança e um compromisso total com a vitória em uma competição. Ele falou da copa de 1970, disse que precisava vencer, que era a última da carreira. E falou que acontecesse o que fosse fora da competição, nada tiraria seu foco.
Ao final do dia, reunia-se com os outros jogadores e rezava, na busca de um sentido que fica fora do contexto exclusivo de um campeonato em si. Pelé não aceitava jogar mal e perder nem em treinos, nem em amistosos, ou em apresentações festivas. O sentido da vitória o fazia estar inteiro, focado e concentrado o tempo todo. Essa capacidade de foco se parece com uma fera em estado de prontidão para a caça ou um combate.
Para competir, Pelé precisou aprender a se defender. Jogou contra marcadores leais e desleais, enfrentou preconceitos, foi chamado de “macaquito”, brigou e gritou com os companheiros em momentos difíceis e aceitou broncas do capitão Zito, quando andou distraído em campo e na vida. Sobre a sorte ou a lei do acaso, perguntei sobre um dos momentos mais importantes de sua vida e Pelé disse: “No começo da minha chegada no Santos, um jogo por um campeonato da cidade, com o Jabaquara. Pênalti aos 45 minutos do segundo tempo. Fui bater e joguei a bola por cima, longe do gol. 
O Santos perdeu o jogo e o campeonato. A torcida me xingou muito ali, falaram palavrões, disseram que eu era um ‘perna de pau’. Naquela hora, decidi que não queria ser mais jogador de futebol. À noite, como morava na concentração do Santos, preparei minha mala e às 6 horas da manhã decidi fugir, voltar para a casa dos meus pais em Bauru.
Quando eu estava saindo do campo, vinha entrando o Sabuzinho, filho da cozinheira. Trazia pão e leite para o café da manhã. Ele me viu saindo, me deu uma bronca e me colocou para dentro, não me deixou ir embora. Voltei, fui dormir e esqueci que não queria mais ser jogador de futebol… Se estivesse a uns 20 metros a mais ou a menos, a uns 40 segundos a mais ou a menos, alguns instantes apenas e eu não teria encontrado o Sabuzinho, e então, talvez jamais tivesse me transformado no Pelé!”
A superação na competição envolve sempre a sabedoria da cooperação. Para competirmos do lado de fora, precisamos cooperar do lado de dentro. Para competir do lado de fora precisamos expulsar os inimigos do lado de dentro, e muitos deles vivem dentro de nós mesmos. A competição externa é um meio e não um fim em si. Ela nos revela o potencial humano e precisa nos conduzir para a humildade, o humanismo e o humor, os famosos 3 Hs das virtudes competitivas. Claro, não gostar de perder, mas saber que será impossível vencer sem ter uma sucessão de derrotas.
Ninguém nasce campeão. Precisa prestar atenção nos melhores, admirar os melhores. Não superamos um adversário se não o admiramos. Ao admirarmos o adversário tomamos para nós seus pontos fortes e vamos buscar a vitória sobre suas angulações menos favorecidas e fortalecidas em nós. A superação na competição exige autoconhecimento. Só é obtida com foco, amor próprio e acima de tudo com a consciência da equipe.
Todos os campeões terminam por desenvolver um estilo, uma marca, uma grife. São criativos e criadores. A superação na competição também pede que não fiquemos acomodados e estacionados com os resultados do passado. Saber parar é outra marca dos campeões que transcendem o tempo. Sair por cima. O que não impede a volta, já sob outros fundamentos de alma.
Michael Schumacher, o alemão voador, foi criticado por muitos ao retornar à Fórmula 1 já sem as condições de ser o mesmo campeão. É genial isso, pois ele estava lá por um desejo íntimo, uma vontade de estar nas pistas, e não poderia haver demonstração maior de superação do ego anterior, do personagem anterior, do que esse retorno para participar como os demais.
Superação na competição também é quando decidimos não mais participar daquela competição. Já subimos no ringue, já batemos, apanhamos, já sabemos como é, já vencemos, perdemos, e agora não queremos mais fazer aquilo. A decisão de sair não representa desistir da vida. Seremos simplesmente competitivos em outras arenas. E na vida existem cenários intermináveis para exercitarmos essa vontade superante de ousar e de estabelecer marcas desafiadoras. 
Estar preparados é o que podemos fazer de justo na competição, entender que ela nunca será um fim em si, mas um meio para os comprometimentos da alma, e que jamais seremos campeões sozinhos e que muitos anônimos irão participar disso. O segredo? Ofereça chances ao acaso. Permita-se dar-se à vida. Talento é o potencial humano de permitir-se passar pelas experiências.
Nem sempre vencer é chegar em primeiro lugar. No pódio da corrida da alma, o ponto mais alto é um voo que pode ficar invisível, e a invencibilidade ser um gosto particular e exclusivamente seu. Descobri muitos anos depois que meu pai me deixava ganhar sempre, quando competia com ele nas piscinas, para me estimular a não parar.

FONTE: exame.abril

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