O valor de muitos produtos e serviços sobe ou cai com o número de clientes que os usam. Quanto menos aparelhos de fax em uso, por exemplo, menos importante é ter um. Em setores tão variados como cartões de crédito, moda e jogos online, esses “efeitos de rede” influenciam decisões do consumidor e limitam o número de empresas capazes de competir. Estrategistas desenvolveram algumas regras conhecidas para navegar em ambientes de negócios com efeitos de rede. “Mova-se primeiro” é uma delas. “Fique grande rápido” — aumentando agressivamente sua participação no mercado, mantendo os preços baixos e adquirindo empresas menores — é outra. Estudamos dezenas de empresas ao redor do mundo para ver se essas regras levam de fato ao sucesso. Descobrimos que em muitos casos elas realmente foram um manual para um desempenho superior. Mas também encontramos um número perturbadoramente grande de situações em que a sabedoria convencional estava totalmente errada. Quando as regras não deram certo, o motivo foi sempre o mesmo: ao escalar rapidamente, a empresa se esqueceu de levar em conta as diferenças entre seus clientes.
Nestas páginas, vamos ver como tanto as empresas estabelecidas como as iniciantes podem tirar proveito das diferenças dos clientes para desafiar concorrentes aparentemente seguros e impulsionar o crescimento em mercados com efeitos de rede.
DUAS DIMENSÕES DE DIFERENÇA
Se dependesse das cartilhas, o eBay deveria dominar o mercado chinês. Em 2004, adquiriu a maior empresa chinesa de comércio online, a EachNet, que desfrutava uma fatia de 85% do mercado naquela época. A CEO do eBay, Meg Whitman, tinha testemunhado o poder dos efeitos de rede nos negócios da companhia nos EUA e estava extremamente confiante: “Dentro de 10 a 15 anos, creio que a China pode ser o maior mercado do eBay numa base global”.
As coisas aconteceram de forma bem diferente. Taobao, uma empresa chinesa de propriedade do Alibaba Group, desbancou completamente o eBay em poucos anos. Para entender como isso ocorreu, vamos recuar e pensar nas pessoas que usam tais serviços e produtos. Nossas análises revelam que grupos de clientes podem ser diferentes em dois aspectos importantes:
Atração mútua. Mesmo em mercados com efeitos de rede, nem todos os clientes se beneficiam da presença de cada um dos outros clientes. Considere dois grupos de usuários do Twitter: um interessado em política e outro, em entretenimento. O Twitter se torna mais útil para o primeiro grupo à medida que mais pessoas compartilham informações e notícias políticas. Da mesma forma, os interessados em celebridades valorizam mais o Twitter se um grande número de tweets for sobre entretenimento. Podem existir alguns pontos em comum entre os dois grupos — por exemplo, notícias sobre o ativismo político de Lady Gaga seriam do interesse de ambos. Mas em geral os tipos políticos são fortemente atraídos por outros tipos políticos, e os obcecados por celebridades preferem seu próprio tipo. A atração mútua dentro dos grupos é muito forte, mas entre os dois grupos é muito mais fraca.
Quando o eBay entrou no mercado chinês, o comércio eletrônico estava em sua infância. Na época, equipamentos técnicos, como placas-mãe, eram os itens mais comprados em leilões online, e a EachNet, a empresa que o eBay adquiriu, atraía principalmente clientes tecnicamente sofisticados. Graças a fortes efeitos de rede, a plataforma do eBay se tornou um lugar cada vez mais atraente para comprar produtos de tecnologia.
Os executivos chineses da Taobao reconheceram que a empresa não poderia competir de frente com o eBay no mercado existente. Assim, se concentraram num segmento emergente de clientes de leilões online — pessoas em busca de roupas e produtos de consumo. Embora o eBay tivesse uma posição de liderança em termos de participação no mercado total, sua fatia do novo segmento — que viria a dominar o comércio eletrônico na China — era muito menos imponente. Além disso, a forte posição do eBay entre os fãs de tecnologia não ajudava em nada a atrair clientes interessados em moda.
Presumindo erroneamente que a empresa tinha comprado seu caminho para a liderança de mercado, executivos do eBay cometeram uma série de erros estratégicos, que poderiam ter evitado se tivessem percebido a ameaça que a Taobao realmente significava. Por exemplo, o eBay demorou para oferecer uma solução integrada de pagamento e insistiu em cobrar dos clientes taxas de transação significativas. Se sua vantagem de rede fosse real, o modelo teria feito sentido — a empresa com os efeitos de rede mais fortes geralmente pode se dar bem com taxas mais altas (ou qualidade mais baixa). Mas o eBay não era dominante no mercado consumidor emergente — a atração mútua entre fãs de moda e tecnologia era fraca — e, por isso, seu modelo não decolou. Em 2006, o eBay fechou seus negócios na China.
Atração assimétrica. Em qualquer rede, alguns clientes são mais iguais que outros. Shopping centers são o exemplo clássico. Os varejistas se beneficiam da presença de lojas-âncora, que são ímãs poderosos para consumidores e ajudam a aumentar o tráfego em todas as lojas. Mas essas âncoras se beneficiam menos, ou nada, da presença de lojas menores com marcas menores. A atração entre as lojas-âncora e as pequenas funciona sobretudo em uma só direção. É assimétrica.
Em mercados com atração assimétrica, ficar grande rápido é, muitas vezes, uma má estratégia. As empresas inteligentes, em vez disso, restringem o tamanho de sua rede para se concentrar em determinados grupos de clientes que prometem atrair todos os outros. A Threadless, uma empresa de vestuário com sede em Chicago que obtém os desenhos para suas estampas por meio do crowdsourcing, inicialmente só aceitava trabalhos de designers da respeitada comunidade Dreamless. Do ponto de vista tradicional, esse movimento parece intrigante. Empresas como a Threadless competem na variedade e qualidade de produtos. Pela lógica, quanto maior o número de colaboradores, mais forte a posição competitiva da empresa. Mas, no mercado de moda, a atração assimétrica é importante: a tática de restringir os colaboradores a uns poucos designers respeitados fez outros ficarem ansiosos para participar. A Threadless acabou removendo a restrição — agora qualquer pessoa pode enviar desenhos —, mas só depois de ter estabelecido sua posição como líder de mercado.
Conseguir usuários para uma nova comunidade online não é fácil. Muitas vezes esse esforço fracassa, em geral porque as empresas prestam pouca atenção às diferenças entre seus clientes e às variações no grau de sua atração mútua ou assimétrica. O Friendster, um precursor canadense do Facebook, ilustra como a falta de seletividade pode enfraquecer uma rede crescente. O serviço dessa empresa tinha grande apelo — tanto que o Friendster não tinha capacidade de servidor (nem recursos financeiros) para acomodar todos os interessados em se inscrever.
Diante dessa restrição, o Friendster decidiu admitir novos membros na base do “quem chega primeiro é atendido primeiro”, adicionando grande número de usuários nos EUA e na Ásia. Mas, como a atração mútua entre esses grupos era baixa, essa estratégia acabou enfraquecendo os efeitos de rede do Friendster: os usuários asiáticos não se importavam muito com os americanos, e vice-versa. Teria sido melhor concentrar-se em uma região, como, por exemplo, clientes em New England, e talvez melhor ainda nas celebridades de New England, para tentar explorar a atração assimétrica. A lição é clara: o crescimento indiscriminado muitas vezes mina os próprios efeitos de rede que você tenta obter. É por isso que entender melhor as diferenças dos consumidores pode levar a melhores decisões estratégicas, tanto para as novas empresas como para as já estabelecidas.
ESTRATÉGIAS PARA NOVOS CONCORRENTES
Destronar uma empresa estabelecida é um duro desafio para qualquer concorrente, mesmo que a novata ofereça um produto ou serviço superior. Explorar as diferenças entre os clientes das estabelecidas pode ajudar as iniciantes a ganhar vantagem. Vejamos primeiro uma estratégia para redes em que a atração mútua dos clientes varia.
Selecione os mais interessados. Durante grande parte de sua história, o New York Times foi um jornal regional com poucos leitores fora de sua área. Isso não era por acaso. O negócio de jornais tem fortes efeitos de rede em nível local: mais leitores atraem mais anunciantes, que atraem ainda mais leitores. Interesses locais tendem a ser dominantes. Quando um ou dois jornais alcançam uma massa crítica, deixam os outros para trás. Como resultado, a maioria das cidades dos EUA tem poucos jornais grandes.
Quando o New York Times se ampliou para servir a leitores em nível nacional, teve de superar os efeitos de rede locais. Fez isso se concentrando, em cada novo mercado, no pequeno subconjunto de leitores a quem poderia servir excepcionalmente bem: aqueles com forte interesse em notícias internacionais. Esses leitores eram pouco atraídos por leitores e anunciantes com interesses locais. Quando passaram a ler o NYT, os concorrentes locais cortaram custos reduzindo a cobertura internacional, o que causou a migração de mais leitores. Como sua circulação total cresceu, o NYT ficou mais atraente para anunciantes de abrangência nacional. Em algumas cidades, ele dividiu o mercado com a concorrência local. Em outras, colocou os locais completamente fora do negócio.
Crie uma experiência exclusiva. O site de namoro eHarmony usou a atração assimétrica a seu favor. Apesar da posição de liderança do Match.com num setor em que os clientes valorizam mais opções e, por isso, tendem a migrar para os maiores sites, o eHarmony conseguiu entrar com sucesso no mercado criando um serviço exclusivo para quem busca um relacionamento de longo prazo. Em essência, ele explorou o fato de que, para um subgrupo da base de clientes do Match.com, alguns membros tinham maior valor que outros: os que buscavam um compromisso queriam se conectar com outros em busca de compromisso. Para esse subgrupo, aqueles que queriam encontros casuais eram um incômodo. Como o eHarmony fazia uma filtragem para excluir os tipos casuais, ele oferecia uma experiência melhor para os “comprometidos”. O eHarmony entrou num mercado menor que o servido pelo Match.com, mas fez isso com sucesso, atraindo 600 mil usuários em apenas cinco anos.
ESTRATÉGIAS PARA EMPRESAS ESTABELECIDAS
Em algum momento, os atores dominantes em setores maduros baseados em rede têm lucros decrescentes enquanto tentam conquistar novos clientes. Os resultados podem ser extremos. Por exemplo, um estudo preliminar feito em 2013 por Michael
Sinkinson, da University of Pennsylvania, estimou que o contrato de distribuição exclusiva do primeiro iPhone, da Apple, custou à AT&T mais de US$ 20 bilhões. No entanto, os clientes extras valiam muito menos — cerca de US$ 3 bilhões — para a Verizon, a líder do mercado sem fio que já desfrutava de uma enorme rede.
Quando as oportunidades nos mercados existentes começam a secar, o crescimento sustentável geralmente vem da entrada em mercados adjacentes, da expansão para novas áreas geográficas ou da adição de recursos complementares. Incluir em sua análise as diferenças entre seus grupos de clientes podem ajudá-lo a fazer as escolhas certas em cada caso.
Mercados adjacentes. São mercados estreitamente relacionados, mas não iguais, e geralmente se pode escolher entre vários deles. Na maioria dos casos, para fazer a escolha certa você deve avaliar o nível de atração mútua entre seus clientes atuais e os do mercado adjacente.
Considere o site de serviços de viagem TripAdvisor. Graças aos fortes efeitos de rede — quanto mais clientes escrevem comentários, mais valioso ele fica —, o TripAdvisor conquistou mais que o dobro da fatia de mercado de seu segundo maior concorrente na categoria “destinos e acomodações”. A partir dessa posição de força, a empresa estudou sua expansão para restaurantes e voos.
A principal atração do TripAdvisor são as opiniões que os clientes gostam de ler e escrever. Tais opiniões são igualmente valiosas para quem vai escolher um restaurante. Já os comentários sobre voos passados numa determinada rota de uma determinada companhia não ajudam muito a prever a qualidade de voos futuros. Neste caso, as experiências dos outros são quase irrelevantes. Note que os clientes nos três mercados (hotéis, restaurantes, voos) são as mesmas pessoas. O que elas valorizam no TripAdvisor sobre a experiência com hotéis se transfere para restaurantes — mas não para voos. Isso significa que os restaurantes são uma oportunidade muito melhor para expansão.
Novas áreas geográficas. A atração mútua entre clientes novos e já existentes também é importante na escolha de novos mercados geográficos. Considere a Wikipédia. Fundada em 2001, a enciclopédia tem hoje mais de quatro milhões de tópicos. Há fortes efeitos de rede neste setor: quanto maior o número de tópicos, maiores os benefícios de usar a Wikipédia.
Quando a Wikipédia procurou expandir sua oferta para outros idiomas além do inglês, ela estudou vários mercados. Uma opção era escolher um grande mercado no qual poucas pessoas falam inglês e, portanto, não podem usar a versão nessa língua — por exemplo, o Japão. O problema com essa abordagem é que, como poucos japoneses falam inglês e poucos americanos falam japonês, a Wikipédia não poderia tirar proveito dos efeitos de rede de sua versão em inglês. Ela não teria nenhuma vantagem competitiva especial lançando uma enciclopédia online no mercado japonês.
Mas nem todas as oportunidades geográficas têm clientes com níveis tão baixos de atração mútua. Ao visar países onde o inglês é comumente falado como segunda língua e recrutar autores bilíngues, a Wikipédia foi capaz de explorar as vantagens de sua rede existente. Muitos colaboradores iniciais da versão em inglês eram holandeses e alemães. Esses autores estavam bem posicionados para ajudar a lançar edições em seus países natais, pois já estavam familiarizados com a Wikipédia e suas regras de autoria, e gostavam de contribuir para o esforço coletivo. Os leitores bilíngues se beneficiaram diretamente dos efeitos de rede dos EUA, e os monolíngues foram servidos pelos tópicos em idioma local preparados pelos autores bilíngues. A Wikipédia acabou se expandindo para 285 língua (veja o quadro “Wikipédia: a vantagem do inglês”).
Complementos. À medida que empresas estabelecidas se expandem para mercados adjacentes e novas áreas geográficas, aumentam os níveis tanto de atração mútua como de assimétrica, apresentando oportunidades para principiantes focadas. Mas aqui a prioridade estratégica não está em explorar as diferenças, e sim em encontrar formas de reduzi-las.
Uma das melhores formas de fazer isso é oferecer um complemento (um produto ou serviço que agregue valor a outro produto ou serviço, como uma lâmina e um aparelho de barbear). Veja o Facebook. Como ele conseguiu se tornar uma empresa global dominante se seus efeitos de rede, embora muito fortes, eram em grande parte restritos aos EUA? A maioria dos noruegueses, por exemplo, não se importava que o Facebook fosse a principal rede social nos EUA, por não ter muitos amigos americanos. Então, como o Facebook desbancou concorrentes na Noruega, como Blink e Playahead?
Ele fez isso graças a jogos sociais como FarmVille, da Zynga. Esses jogos, que usam o Facebook como plataforma, permitem aos usuários interagir com estranhos de uma forma envolvente, reduzindo as diferenças entre noruegueses e americanos. Além disso, quando a Zynga criou seu jogo seguinte, pôde dividir o custo fixo do desenvolvimento de jogos entre milhões de usuários, aumentando o orçamento para novas criações. Para empresas de jogos que serviam mercados menores, foi difícil competir.
Esta não é apenas uma história de mídia social. Os complementos têm um papel importante em muitos setores. Como bancos de varejo. Caixas eletrônicos e agências são estrategicamente importantes porque criam efeitos de rede — mas esses efeitos são basicamente locais. Um bostoniano gosta que seu banco tenha um caixa eletrônico em Chapel Hill, na Carolina do Norte, mas o benefício é limitado porque ele raramente vai a esse estado. A peça que falta são os complementos: produtos e serviços bancários que o cliente aprecie independentemente de sua localização. Se um banco criou uma reputação de aconselhamento financeiro de alto nível, os clientes podem querer seus produtos e serviços quer ele tenha ou não caixas eletrônicos em determinada área. Quanto a esses caixas, as preferências dos clientes são heterogêneas: todos querem tê-los perto de casa, o que favorece os bancos estabelecidos localmente. No planejamento financeiro, porém, há muito menos heterogeneidade, o que cria espaço para novos concorrentes.
A FORÇA dos efeitos de rede pode ser tão variada quanto os seres humanos que compõem essa rede. Uma estratégia que não leve em conta essa variação — ignorando diferenças nas atrações mútua e assimétrica entre clientes — provavelmente fracassará. É rara e tem sorte a empresa que prospera simplesmente por ser a primeira e ficar grande rápido. Em quase todos os mercados com efeitos de rede, os clientes vão considerar a presença de muitas pessoas do tipo “errado” um fator de desinteresse. Bem-vindo à economia em rede — talvez não tão diferente, afinal, da velha economia.
FONTE: hbrbr
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