As carreiras de ciclos curtos, como as de esportistas e modelos, ajudam profissionais de outros mercados a entender como lidar com funções que se extinguem antes da hora programada
Ex-atletas brasileiros agora integram o corpo de funcionários do comitê organizador da Olimpíada 2016, no Rio de Janeiro
Os atletas da foto acima têm histórias de vida tão distintas quanto os esportes que praticavam. Mas um ponto de sua trajetória é convergente: o momento em que tiveram de abandonar o esporte e seguir outro rumo profissional. O corpo é cruel e a aposentadoria de quem depende exclusivamente do físico é precoce.
E, quando esse momento chega, vem o dilema: que caminho seguir? Os esportistas que levaram o nome do Brasil ao pódio em sua modalidade encontraram no comitê organizador da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, uma forma de se manterem próximos ao esporte e ao mesmo tempo fazer uma transição para um trabalho distante das quadras e piscinas.
Quando o evento acabar, daqui a dois anos, esperam seguir um novo caminho. “Todos estão preparados para isso”, afirma Henrique Gonzalez, diretor de recursos humanos do comitê Rio 2016. Mas a transição deles só está sendo possível porque, paralelamente ao sucesso esportivo, se especializaram em áreas como engenharia, economia e fisioterapia para garantir a segurança da mudança de trajetória.
“A maioria dos atletas não está em condições de trocar de ocupação, o que inevitavelmente vai acontecer”, afirma Ricardo Prado, ex-nadador e presidente do conselho de esportes do Rio 2016.
Engana-se quem pensa que apenas atividades esportivas têm uma data de validade condicionada ao preparo físico. No mundo do trabalho há carreiras que exigem demais do corpo (e da saúde). Empregos muito estressantes, como corretor de bolsa de valores e produtor de eventos, costumam ser terríveis para o bem-estar.
A manipulação de substâncias tóxicas também pode ser o pivô de aposentadorias precoces — funcionários de empresas químicas, mineradoras e farmacêuticas sofrem com isso. A hipertensão arterial é um sinal de alerta para pilotos de avião. Há, enfim, situações de trabalho que abreviam profissões e que reforçam a tese de que todo mundo deve criar alternativas de carreira.
Uma transição mal planejada, indesejada ou inesperada pode gerar uma série de frustrações. “É natural não querer trocar de profissão quando se está feliz no trabalho”, afirma Gutemberg Macedo, fundador da Gutemberg Consultores, de São Paulo.
Planejamento precoce
As carreiras de duração curta são úteis para ilustrar que ter um plano B é importante independentemente do ramo de atuação. Afinal, imprevistos existem e podem forçá-lo a mudar de rumo.
“É fundamental pensar em fontes alternativas de renda e desenvolver uma carreira em ciclos mais breves e com modelos mais flexíveis de trabalho”, diz Rafael Souto, CEO da Produtive, consultoria de reposicionamento de carreira, de São Paulo.
Ironicamente, profissionais que se destacam muito numa carreira investem menos em alternativas. “As pessoas bem-sucedidas costumam ter pouco tempo disponível e se empenham mais em imortalizar a primeira profissão do que em preparar a segunda”, diz Rafael.
Um dos motivos para adiar a busca por uma segunda ocupação é a dificuldade de identificar um trabalho adequado às habilidades técnicas e comportamentais que o profissional construiu. “As transições não devem ser bruscas e é preciso conhecer os próprios limites”, afirma Ília Lima, consultora de outplacement da De Bernt Entschev, de São Paulo.
Por isso é importante escolher atividades que deem o mesmo tipo de satisfação e que correspondam à sua personalidade. “Se você gosta de atividades mais dinâmicas, evite ocupações com funções rotineiras”, diz Ília. “E, se não gosta de assumir riscos, não empreenda.”
O momento ideal
A carreira curta também evidencia que profissionais podem ficar obsoletos. É preciso estar atento às demandas de mercado para saber se as competências ainda valem. Para quem for mudar, é preciso saber que a transição quase sempre exige sacrifícios. Dificilmente se começa uma nova carreira com o mesmo salário e prestígio da profissão anterior.
É provável que seja necessário voltar a estudar. Pode ser que os novos colegas (ou chefes) sejam mais jovens. Pode faltar uma rede de contatos estruturada. A parte boa é que, ao trocar de profissão, você pode enxergar oportunidades que antes eram invisíveis, e encontrar a satisfação em empregos diferentes dos que cogitava até então. E se perceber capaz de fazer uma série de coisas que nem imaginava.
Doutora Ana Claudia
Ana Claudia - Depois de 17 anos no mundo da moda, a modelo Ana Claudia Michels, de 32 anos, decidiu mudar de ares e passou no vestibular para o curso de medicina. Ana Claudia, que já estrelou campanhas de marcas como Calvin Klein, Victoria’s Secret e Chanel, é agora aluna do segundo ano da Faculdade São Camilo, em São Paulo.
VOCÊ S/A – Como você se preparou para uma mudança de carreira?
Ana Claudia - Na verdade, eu não me preparei. Sempre soube que minha carreira de modelo não duraria para sempre e tinha a sensação de que cada trabalho poderia ser o último. Mas tive medo de me informar sobre as dificuldades dessa transição e desistir.
VOCÊ S/A – Por que escolheu a medicina?
Ana Claudia - O sonho de ser médica vem da minha infância, mas virei modelo aos 14 anos e isso ficou de lado. Pensava em outras possibilidades de carreira, todas ligadas à moda. Aos 30 anos tomei coragem e entrei em um cursinho pré-vestibular depois de 17 anos sem estudar — por causa da vida de modelo, fiz supletivo para concluir o ensino médio, e desde então não estudava.
VOCÊ S/A – Algo a preocupa nessa transição?
Ana Claudia - Tenho medo de não conseguir levar a faculdade até o fim, apesar de ser muito dedicada e de tirar notas boas. Encontrei um propósito profissional e estou feliz depois de ter começado a faculdade. Só que a carreira de modelo ainda é muito importante para mim, e estou tentando conciliar as duas atividades.
Tem sido difícil recusar alguns trabalhos. Além disso, eu quero me casar e ter filhos, e talvez interrompa o curso de medicina por um tempo.
VOCÊ S/A – O que mais a incomodava na carreira de modelo?
Ana Claudia - A impossibilidade de planejar a agenda. Eu não tirava férias longas porque um trabalho podia surgir a qualquer momento. Eu não me sentia totalmente realizada porque não conseguia emplacar minhas opiniões e me sentia um produto. Uma modelo é igual a uma bolsa: em um dia você a ama, no outro, enjoa. E eu não gostava de estar nessa posição.
Corretor de ajuda
O primeiro emprego remunerado de Marcos Flávio Azzi, de 41 anos, foi também o último. Aos 23 anos, ele foi contratado como representante comercial na Credit Suisse Hedging-Griffo, corretora de valores, de São Paulo. Em 13 anos, foi de sua função inicial a sócio da empresa. “A carreira no mercado financeiro é curta”, diz.
Durante esse período, ele ganhou muito dinheiro. Mas não concordava com o estilo de vida do mercado. “Os bancos estão recheados de profissionais que desenvolvem gastrite, ganham peso e perdem cabelo”, diz. E também faltava significado. “Trabalhava em uma fábrica de produzir riqueza que não devolvia nada à sociedade”, afirma.
Por isso, enquanto ainda estava na Credit Suisse, Marcos começou a pensar na sua transição de carreira e se dedicar a uma paixão: a filantropia. Nos primeiros anos, a dedicação foi apenas financeira. Desde 2003, Marcos separa 1% do que ganha para fins filantrópicos.
Em 2009, deixou a corretagem de lado e abriu o Instituto Azzi, instituição sem fins lucrativos, bancada por ele, que direciona doações de pessoas de alta renda para instituições de caridade.
FONTE: Exame
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