sexta-feira, setembro 27

Startups desfrutam da experiência dos mais velhos e da energia dos jovens


Pais e filhos driblam o desemprego nos EUA investindo no empreendedorismo familiar

Aos 64 anos, Michael Lowe estava aborrecido com a aposentadoria.
Ele fazia ioga cinco vezes por semana e lia com voracidade depois de pendurar as chuteiras em 2008. Lowe desfrutou uma carreira jurídica de três décadas, a maior parte dela passada como advogado corporativo da Verizon. O problema era que a esposa, Melissa Kroning, 61 anos, arquivista do Museu de Arte Americana do Smithsonian, ainda trabalhava em tempo integral. Então, viajar pelo mundo estava fora de questão.
"Eu ficava enrolando pela casa", conta o advogado. "Eu decidi que poderia tentar alguma coisa diferente."
Felizmente, ele tinha uma boa relação com o genro, John Uselton, agora com 40 anos, um entusiasta da cervejaria doméstica, coleção de vinho e destilados — com quem ele descobriu que poderia abrir uma empresa.
A paixão mútua pela arte da destilaria terminou virando a New Columbia Distillers, a primeira microdestilaria de Washington. Em outubro de 2012, ela produziu as primeiras garrafas do pequeno lote de gim destilado Green Hat em um velho depósito que abrigava seu alambique de cobre sólido de 4,6 metros.
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Michael Lowe (à direita) e seu genro John Uselton trabalhando no processo de envelhecimento do gin
A ascensão de empreendedores idosos como Lowe tem sido bem documentada. Porém, empresas iniciantes como a aberta por Lowe e Uselton são uma nova guinada na tendência, e uma variante das tradicionais empresas familiares, as chamadas sociedades de legado.
As parcerias são iniciadas durante a aposentadoria (ou perto dela) do sócio mais velho depois de uma longa carreira, então as duas gerações contribuem com recursos complementares para uma empresa nova. Os recursos costumam ser capital e experiência do sócio mais velho e energia, conhecimento técnico ou de venda online do mais jovem.
"Muitos idosos estão criando empresas de legado ao lado de um integrante jovem da família", afirma Elizabeth Isele, cofundadora da Senior Entrepreneurship Works, organização filantrópica que ajuda trabalhadores com mais de 50 anos a abrir negócios. "É uma fórmula vencedora para as duas gerações."
Embora não existam estatísticas para documentar essas novas duplas geracionais, a tendência parece estar ganhando força na economia atual.
"Dois aspectos infelizes da presente crise de empregos podem estar estimulando o lançamento de novas empresas por pais idosos e membros mais jovens da família", destaca John Dearie, coautor do livro "Where the Jobs Are: Entrepreneurship and the Soul of the American Economy" (Onde os empregos estão: empreendedorismo e a alma da economia americana; em tradução livre).
"Para começar, praticamente metade dos recentes formandos universitários não conseguiu encontrar emprego, e metade dos que trabalham afirmam que os empregos encontrados não exigem os diplomas obtidos."
Além disso, em alguns grupos demográficos, as empresas iniciantes multigeracionais estão abrindo o caminho, reforça Isele. Por exemplo, empreendedores hispânicos estão criando mais sociedades de legado do que qualquer outra faixa etária, assegura Yanira Cruz, chefe do Conselho Nacional Hispânico para o Envelhecimento."Depois, enquanto a taxa de desemprego entre americanos mais velhos é menor do que entre os jovens, as estatísticas do governo mostram que, quando os primeiros perdem o emprego, eles costumam ficar mais tempo desempregados, pois encontrar um trabalho novo é muito mais difícil. Em função dessas realidades, é fácil ver como essas duas demografias podem se unir como empreendedores."
"A retração econômica atingiu essa população com muita força", diz Cruz. O resultado tem sido o de familiares trabalhando juntos para criar pequenos comércios, como floriculturas, restaurantes e outros empreendimentos nos setores alimentício e de serviços, como empresas de limpeza.
"A cultura tem muito a ver com essa abordagem", explica ela. "Nós somos criados para cuidar dos idosos, e o compromisso de cuidar um do outro foi projetado ao iniciar a empresa."
A regra número um é ter uma ideia clara do que cada parceiro tem a oferecer. "Nós usamos bastante do que aprendemos no passado", acrescenta Uselton.
Ele e Lowe dividem a operação do alambique e o desenvolvimento de receitas. Como trabalhou como comprador de cerveja para uma loja de bebidas e garçom no Obelisk, restaurante refinado na região de Dupont Circle, antes de mergulhar no setor de destilaria, Uselton tinha uma ampla rede de contatos de restaurantes e empresas de bebidas da região.
E sua natureza sociável mostrou resultados em degustações em empresas locais, eventos decisivos para gerar interesse no gim artesanal da dupla.
Lowe cuida dos registros financeiros e de questões ligadas ao cumprimento de normas. Afinal, ele foi advogado especializado em regulamentação. Os sócios tiveram que ter uma lei aprovada pela câmara de vereadores do Distrito de Columbia para poderem vender o gim e realizar degustações na destilaria.
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Jessica Arellano (à esquerda) e sua mãe, Nancy Burkhart, na empresa Earth Safe Finishes
Dois meses atrás, Uselton levou o primeiro pagamento modesto para a esposa, Elizabeth. Ela "estava muito empolgada, para dizer o mínimo", conta o genro.
O que gera uma pergunta: esse novo formato de negócios é outra forma de nepotismo ou proteção dos pais?
Lowe rejeita a ideia, insistindo que os dois tiveram a ideia da destilaria. "Parecia que isso daria uma vantagem ao John, mas coube a ele decidir voluntariamente se aquilo era uma boa ideia. A coisa toda envolveu uma bela dose de risco por abrir mão do emprego e investir toda a energia no negócio. É legal pensar que provavelmente continuarei nesta vida por oito ou dez anos, e que a empresa será capaz de continuar, com John tocando tudo."
Não existe dúvida de que ajudar um filho a progredir no trabalho é algo que muitos pais estão dispostos a fazer, se tiverem os meios.
Outra vantagem mútua para empreendedores jovens e idosos pode ser um propósito moral, considera Elizabeth, da Senior Entrepreneurship Works. "Pessoas dessa idade querem muito criar um negócio que tenha algum impacto social na comunidade, se não no mundo. E, muitas vezes, os trabalhadores mais novos também apresentam o mesmo tipo de idealismo."
Quando Nancy Burkhart, 69 anos, se formou em 1966 na Universidade da Califórnia, campus de Los Angeles, em antropologia, ela "queria salvar o mundo". Hoje em dia, com a ajuda da filha Jessica Arellano, 36 anos, ela sente estar fazendo isso do seu próprio modo. As duas são donas e gerentes da Earth Safe Finishes, empresa de acabamento e tintas atóxicas de Moorpark, Califórnia, que fundaram em 2007.
O ímpeto para o negócio foi o divórcio de Nancy. "A Jessica me ajudou a encontrar o caminho."
Nancy não era novata. Ela já teve três empresas que desenvolviam e fabricavam tintas e vernizes para o setor de artesanato. Contudo, ela estava determinada a criar tintas e vernizes com menos toxinas, objetivo compartilhado por Jessica, formada em recursos naturais em Berkeley. Ela também possuía conhecimento em tecnologia atóxica.
O que faz tudo funcionar?
"Nós conhecemos os pontos fortes e fracos umas das outras e preenchemos as lacunas de acordo com isso", comemora Jessica. "Minha mãe sabe que não gosto de conversar pelo telefone, já ela adora. Ela não gosta de cuidar da papelada, eu não me importo. Acho que nem todo relacionamento entre pai e filho funcionaria em empresas iniciantes se cada um não puder cobrir o que falta no outro."
O que é mais importante? "Respeito mútuo", responde Nancy. "É preciso deixar de lado a relação entre pai e filho. O relacionamento deve ser profissional."
    FONTE: economia.ig

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