terça-feira, julho 1

O assassinato do eu-tese pelo covarde eu-ingênuo

Ao longo do processo de produção de uma tese, o doutorando, enquanto sujeito de si, dividi-se em dois “eus”: o eu-ingênuo e o eu-tese.
O eu-ingênuo é cheio de boas intenções, se emociona ao falar de suas ideias, tem aquela empolgação que cativa qualquer banca avaliadora. O eu-ingênuo é um sujeito otimista e feliz!
Enquanto isso, o eu-tese aguarda escondido, ansioso pelo momento de entrar no palco e roubar a cena.
O eu-tese é voraz, impetuoso e cheio de sede de poder.
Com o tempo, o eu-tese mergulha em seu frenesi mental de racionalizar sobre tudo, criar conjunturas, teorias de conspiração.
Os livros, textos e divagações filosófico-intelectuais são seu alimento e seu guia.
Ele se sente genial e se imagina na proa de um enorme navio gritando: Sou o rei do mundo!
Ele parece invencível e é extremamente sedutor.
Ele fala e tudo parece fazer sentido.
Em contrapartida, o eu-ingênio começa a receber suas primeiras críticas e não são como ele imaginava que seriam.
Embora elas sejam demasiado duras, ele já começa a achar que a culpa é toda dele e pensa: eu não devo ter entendido direito, não estou estudando o suficiente.
O eu-ingênuo se ressente, fica triste.
A primeira dentre muitas vezes.
O eu-tese sente-se à vontade.
Os processos, a burocracia, as demandas dos outros parecem só preencher seu desejo de dominar as artimanhas daquele contexto.
Ele sequer percebe que está mergulhando de cabeça em águas profundas e frias.
E que no fim, no inevitável fim, ele vai congelar e afundar lentamente em direção ao vazio escuro.
O eu-ingênuo, a essa altura, não se reconhece mais.
De suas ideias, só restou o cinismo, que o deixou à beira do abismo, abismo este que cavou com os próprios pés.
A academia já triturou seus sonhos e reduziu suas ilusões à pó.
O eu-ingênuo, este que acreditava que o que importava mesmo é a boa vontade e o potencial, perde a batalha para o Senhor do capital simbólico.
O golpe de misericórdia se dá no momento em que os mais experientes dizem ao eu-ingênuo: “Você não pode dizer o que pensa, isso aqui é a Academia. Assim você não defende sua tese!”.
Então, enterrado pela frustração, o eu-ingênuo desenvolve um cinismo assassino, finalmente explodindo: defesa? Não sou eu quem precisa de defesa!
O eu-tese treme diante do eu-ingênuo, este anjo vingador cheio de ódio e rancor.
Ele ainda tenta argumentar: não vê o quanto de progresso fizemos? O quanto contribuímos para o avanço da ciência?
O eu-ingênuo, entretanto, avança implacável em sua direção.
Sem argumentos que possam conter a fúria apaixonada do seu oponente, o eu-tese ajoelha-se e implora por sua vida. Em vão…
O eu-ingênuo atira sem piedade.
E fim da tese.


FONTE: posgraduando

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