segunda-feira, junho 30

TECNOLOGIA EDUCACIONAL: Sem espaço para a acomodação

Para acompanhar novas propostas educacionais e tecnologias de ensino, docentes e instituições somam esforços de atualização


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A inovação tecnológica das últimas décadas mudou não apenas as ferramentas que utilizamos – ela vem alterando nossa forma de ser e de pensar. Essas transformações têm impacto direto no ensino e na aprendizagem, exigindo do ambiente educacional esforços constantes de atualização para incorporar ferramentas e técnicas.
Só com a colaboração entre professores e instituições de ensino é possível conceber um ambiente adequado às exigências dos novos alunos.“Hoje a maior parte dos docentes do ensino superior não atende às necessidades das gerações Y e Z.
Muitos ignoram as ferramentas tecnológicas e ainda se valem de aulas expositivas, sem diálogo”, lamenta a professora Claudia Hardagh, coordenadora do curso de pós-graduação em Docência no Ensino Superior do Centro Universitário Senac. Doutora na área de Tecnologia Educacional, Claudia é também avaliadora do Sistema Basis MEC/Inep e tem acompanhado de perto a situação da docência no ensino superior.
Para ela, é fundamental que a formação pedagógica seja valorizada, com a inclusão obrigatória nos cursos de mestrado e doutorado. De outra parte, o MEC também precisaria reconhecer essa formação, e não apenas a titulação dos profissionais. Hoje, nas avaliações, há reconhecimento pelo tempo de docência – mas isso não significa que, ao longo de sua carreira, o professor teve um bom desempenho pedagógico. “Os professores costumam achar que a exposição dos conteúdos é suficiente e não fazem a relação entre a teoria e a prática, estratégia essencial para o aprendizado”, diz Claudia.
No Senac, a atualização dos docentes é feita por meio de cursos da própria instituição, com apoio financeiro à formação externa e utilizando as horas de reunião pedagógica. “O professor precisa criar a cultura da formação contínua, da busca constante de alinhamento entre teoria, prática de sala de aula e necessidade do mercado. Esta tría­de alimenta as estratégias atualizadas de aula e consequentemente o sucesso do processo de ensino-aprendizagem”, diz Rosana Silveira, coordenadora de Ensino Superior do Senac Águas de São Pedro.
A necessidade de concretizar uma nova concepção de ensino, que ultrapassa as dimensões convencionadas de espaço e tempo em sala de aula, não diminui a importância do papel docente – mas exige dos profissionais uma compreensão mais ampla das expectativas e motivações dos alunos. Adriana de Azevedo, coordenadora do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Metodista de São Paulo, diz que a cibercultura fez surgir novos processos mentais, e os jovens hoje demandam uma quantidade maior de interações e querem tirar suas dúvidas imediatamente. “Muda a forma de concepção dos materiais didáticos e da disposição do conhecimento. O professor precisa oferecer materiais abertos, compartilháveis, e incorporar práticas colaborativas”, sugere a coordenadora.

Embalo tecnológico


Apesar de a tecnologia ser prescindível para ministrar uma boa aula, o fato é que para acompanhar o ritmo da geração atual é preciso atualizar-se quanto aos recursos tecnológicos. A Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap) construiu sua trajetória nesse universo e leva esse preceito aos seus docentes. “O professor ‘analógico’ não funciona bem conosco – e isso não tem a ver com idade ou formação, e sim com a disposição para integrar a era digital, transmitindo o conhecimento de forma que faça sentido para os alunos”, comenta Wagner Sanchez, diretor acadêmico da Fiap e especialista em Educação.
Para manter a equipe atualizada, a faculdade oferece formação pedagógica semestral, por meio de cursos e encontros desenvolvidos internamente. Sanchez acredita que o aluno vê mais sentido no que está aprendendo quando consegue visualizar a aplicação do conhecimento.
A pressão da tecnologia é ainda mais forte sobre quem é docente da área. Erika Caramello, professora de comunicação e mídias sociais, diz que há grande dificuldade de reaproveitar materiais de aula, pois é preciso atualizar os conteúdos constantemente. Docente em diversas instituições, Erika acredita que é preciso estar atento às ferramentas utilizadas pelos jovens. “Hoje, mesmo alunos de baixa renda têm smartphones; é preciso aproveitar essas tecnologias”, sugere.
Ela destaca, no entanto, que as faculdades precisam oferecer a infraestrutura necessária. “Muitas vezes faltam recursos, e nem sempre o que está disponível funciona.” Um dos empecilhos é o acesso às redes sociais, que muitas vezes é bloqueado nas universidades, o que prejudica os exercícios em sala de aula.
Fim da aula tradicional


O déficit na formação continuada de docentes do ensino superior reflete uma falha anterior: a falta de formação inicial dos professores universitários na área pedagógica. Resultado de um processo histórico que valorizou a presença de bons profissionais (e não necessariamente bons educadores) na universidade, essa deficiência se mantém apoiada na falta de interesse de quem dá aula apenas para complementar o orçamento ou para obter notoriedade.
Para o pedagogo José Cerchi Fusari, doutor em Educação e professor da USP, é necessária formação pedagógica para que os docentes abandonem a concepção tradicional de que eles devem apenas transmitir conteúdo. “A concepção de ‘dar aula’ é um paradigma arcaico – é preciso construir a aula com o aluno, baseando-se na interatividade, no diálogo, na comunicação. Incluir tecnologias e novas técnicas.” Segundo Fusari, o papel do professor deve ser o de traduzir o conhecimento em valores e atividades, com a consciência de que ensinar é uma atividade política, social e cultural.
Claudia Hardagh, do Senac, calcula que aproximadamente 90% dos professores universitários brasileiros não têm formação didática – são especialistas em suas áreas, mas não foram ensinados a dar aula. “A consequência disso é que seus alunos saem da graduação mal formados, situação demonstrada pelo baixo desempenho dos graduandos em testes de proficiência, como o exame da OAB.” A professora Katemari da Rosa faz parte dos 10% de exceção.
Graduada em física, fez mestrado em ensino, filosofia e história das ciências e doutorado em Science Education na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. Atualmente atua na Universidade Federal de Campina Grande e diz que não consegue imaginar como seria dar aula sem o referencial pedagógico que construiu.
Katemari destaca, no entanto, que sempre há novos recursos surgindo, e o professor precisa estar atento a essas possibilidades para não ficar defasado. “A universidade também tem responsabilidade nesse processo. Quem está na sala de aula tem de buscar a atualização, e a instituição precisa dar estrutura para que o professor possa descobrir e implementar novas estratégias pedagógicas em seu arsenal docente.”
A necessidade de parceria entre instituições e docentes é uma opinião unânime entre quem trabalha na área. O profissional precisa estar interessado em promover sua capacitação e em trazer os conteúdos estudados para a prática de ensino, bem como a instituição deve oferecer um ambiente propício para essa atualização, buscando recursos e estratégias que motivem os professores. “Quando há essa valorização, a instituição tem outra resposta dos seus professores.
A desmotivação para a formação em geral é sintoma de um problema institucional”, acredita Fusari. Para ele, a política de formação tem de ser construída de forma coletiva e democrática, assim como projeto político pedagógico de cada curso.
Com a mão na massa



Preocupado com esta questão, a Universidade Mackenzie oferece não apenas o curso de Docência no Ensino Superior para futuros docentes, como atende também os docentes que já atuam na instituição, promovendo momentos contínuos e sistematizados para a formação e reflexão sobre a prática pedagógica. Semestralmente, são realizadas mesas temáticas e oficinas sobre metodologias de ensino e o uso de tecnologias.



Os novos docentes integram o programa de formação pedagógica permanente de professores, com a introdução na cultura da instituição. “A atualização do professor frente às novas exigências tecnológicas e de inovação deve fazer parte da busca de cada um. Mas isso não isenta as instituições, preocupadas em garantir a aprendizagem dos alunos e em oferecer processos de ensino de excelência, de favorecerem e oferecerem momentos de reflexão, e até mesmo cursos, para que os professores possam ser estimulados nesse processo”, afirma Marili Vieira, coordenadora de Apoio Pedagógico do Mackenzie.
Responsável pelos trabalhos de formação continuada dos docentes, Marili também faz o acompanhamento dos projetos políticos pedagógicos dos cursos da universidade. “Os resultados se refletem na melhoria dos índices de avaliação da universidade, na redução de desempenho insatisfatório de docentes e, principalmente, na redução de índices de evasão de alunos por não se sentirem acolhidos em seus processos de aprendizagem.”
Adriana de Azevedo diz que as instituições devem perceber que as práticas pedagógicas têm impacto nos seus resultados objetivos e estabelecer uma parceria com os professores para promover o avanço. “O caminho é ajudar o professor a refletir sobre sua prática, abrindo espaços que propiciem o diálogo, nos quais ele seja mobilizado e estimulado a achar respostas e a conhecer as potencialidades da tecnologia. Não existe mais zona de conforto na docência – nenhum professor hoje ocupa esse espaço.”
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Necessidade de reflexão
Conhecer as ferramentas é importante, mas de nada serve se o professor não souber identificar o uso mais apropriado. “A tecnologia só faz sentido quando o docente percebe que falta algo na sua prática pedagógica”, salienta Adriana de Azevedo, coordenadora da Universidade Metodista de São Paulo. É a reflexão sobre essas práticas que se torna necessária.
Nesse sentido, a Metodista realiza um programa permanente de capacitação de professores, o Atualiza, que consiste, a cada início de semestre, na promoção de uma série de atividades. A programação vai desde oficinas relacionadas ao uso de ferramentas e recursos tecnológicos a seminários abordando temas pedagógicos. Na Universidade Veiga de Almeida (UVA), a tecnologia também tem papel de destaque no programa de formação Janelas dos Saberes, que engloba palestras, oficinas e grupos de estudos.
“Se o docente está sensibilizado para o tema, as atividades têm grande resultado. É preciso tornar a capacitação relevante, pois se ele percebe que aquilo é importante para sua vida profissional, corre atrás”, defende a pró-reitora de graduação Kátia Passos. O objetivo é provocar o questionamento entre os professores sobre seus novos papéis e desafios. “O professor não pode mais se colocar na situação de transmissor de conhecimento – ele precisa ser um debatedor, ensinar seus alunos a pesquisar, a questionar”, diz Kátia.
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Geração Digital
Nascidos em meados da década de 1990, os jovens da geração Z estão agora na faculdade. Para eles, a ideia de um mundo sem internet, computadores portáteis e telefones celulares é algo que existe apenas nos livros de história. Se esses estudantes compartilham a ansiedade e o dinamismo de seus antecessores da geração Y, por outro lado apresentam formas peculiares de pensar e agir, em razão de sua total integração com as interfaces digitais.
Por estarem acostumados a realizar várias tarefas ao mesmo tempo, os jovens tendem a se aborrecer em aulas expositivas e tarefas sequenciais, perdendo a motivação para acompanhar o conteúdo. Com baixa capacidade de concentração, os integrantes da geração Z precisam ser estimulados por meio da interatividade e da oferta de recursos diversificados e não lineares. Ao mesmo tempo, sua capacidade e velocidade para fazer conexões pode facilitar a compreensão de diferentes conteúdos.


FONTE: semesp1

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