Wilson Lima, diretor de RH, e a turma da Dafiti: em três anos, a empresa brasileira conquistou cinco países e atraiu mais de 660 milhões de reais em investimentos
Tudo começou em janeiro de 2011. Numa sala de 20 metros quadrados na zona sul de São Paulo, os quatro sócios Malte Horeyseck, Malte Huffmann, Thibaud Lecuyer e Philipp Povel passavam o dia ligando para grandes fabricantes nacionais de sapatos.
Jovens, os empreendedores de países diferentes — dois alemães, um francês e um brasileiro — estavam em busca de investidores e fornecedores para lançar uma loja de comércio eletrônico. A alemã Rocket Internet, incubadora europeia de startups de internet, decidiu arriscar e colocou no negócio 50 milhões de reais.
Três anos depois, os quatro sócios transformaram a pequena sala em uma das maiores varejistas online de moda de acessórios do Brasil. Assim nasceu a Dafiti, hoje uma companhia de 1 800 funcionários, presente em cinco países e que já atraiu mais de 660 milhões de reais em investimentos.
A história da Dafiti ilustra o movimento crescente do comércio eletrônico no país. O segmento — que engatinhava quando a empresa surgiu — hoje já dá passos mais firmes e tende a voar, segundo as projeções de mercado.
De acordo com uma pesquisa do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getulio Vargas, o comércio eletrônico movimentou no país 28,8 bilhões de reais em 2013, e a previsão para este ano é crescer mais 20%.
“Nos Estados Unidos e na Europa isso já é feito há mais ou menos sete anos, e no Brasil a operação ainda é nova”, afirma Fernando Ricci, secretário executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, entidade brasileira de maior representatividade da economia digital.
Pode estar aí o entrave para um crescimento acelerado. Por ser ainda novo no país, o e-commerce tem sofrido com a falta de trabalhadores. A Dafiti, por exemplo, teve de apostar na contratação de alguns especialistas em tecnologia e de outros experientes trabalhadores do varejo por não encontrar o “pacote completo”, ou seja, profissionais que dominem as duas áreas.
“Mesmo que a pessoa não venha com essa vivência em varejo, me disponho a contratá-la quando ela tem conhecimento em comércio eletrônico”, diz Wilson Lima, diretor de RH da companhia.
Apesar de usar as ferramentas tradicionais de recrutamento, o método mais eficiente para a Dafiti acabou sendo a indicação dos próprios funcionários. “Quando o indicado é efetivado, quem trouxe o currículo recebe um cartão com valor que vai de 100 a 1 000 reais para usar em diversos estabelecimentos”, afirma Lima.
As indicações não utilizadas são repassadas para a análise dos gestores e ficam em um “banco de reserva” para facilitar o processo na próxima busca de candidatos. “Hoje, temos mais de 1 000 nomes no banco”, diz Lima.
Uma vez dentro, o funcionário é lapidado com cursos e treinamentos, a maioria externos — mais de 100 empregados receberam subsídio parcial e integral da Dafiti em 2013 para estudar. Diferentemente de negócios já consolidados, as companhias de e-commerce estão aprendendo a desenhar treinamentos próprios para capacitar seu time.
Ciente dessa deficiência (e oportunidade), a Universidade Buscapé Company, em São Paulo, apresenta uma grade de cursos específicos, como e-commerce professional, marketing digital e planejamento digital. “Normalmente, as empresas enviam funcionários que conhecem a fundo o negócio, mas não dominam tanto a área de tecnologia”, diz Daniel Cardoso, sócio-diretor da universidade.
Criada em 2011 para capacitar o pessoal interno, a instituição percebeu a demanda do mercado e acabou aceitando funcionários de outras companhias — e até mesmo pessoas físicas — que buscavam se desenvolver na área. Tornou-se assim um novo braço de negócios do Buscapé.
“Nosso grande público são as pequenas e médias empresas. Muitas já têm anos de mercado, mas agora querem criar um canal online e precisam dessa expertise”, afirma Cardoso.
Até o momento, cerca de 4 000 pessoas e 50 empresas já passaram pelas salas de aulas físicas e virtuais da universidade, que tem como carro-chefe os cursos de e-commerce professional, mídias sociais, SEO na prática e e-mail marketing.
Não bastassem a escassez de mão de obra especializada, a falta de cursos profissionalizantes e a informalidade dos treinamentos internos, as lojas virtuais ainda esbarram na insegurança dos candidatos. Antes de se tornar conhecida, a Dafiti precisou muitas vezes “convencer” os outros a fazer parte do time.
“Era uma empresa nova em um segmento também novo”, explica Lima. Segundo Renata Tavolaro, headhunter e gerente de operações do Grupo Empreza, os brasileiros associam o momento vivido pelo e-commerce àquele que ficou conhecido como o boom das companhias de internet e temem arriscar em um negócio que pode não prosperar.
“Muitas pontocom nasceram e fecharam em uma velocidade considerável, e por isso há o medo de entrar em um segmento que ainda não se estabilizou”, diz Renata. O receio é pertinente. Dados de um estudo da Big Data Corp., especializada em soluções de big data, mostram que o tempo médio de vida das lojas virtuais é de três meses no Brasil.
A boa notícia é que a ida do consumidor para o meio online está crescendo. De acordo com o relatório Webshoppers da E-bit, empresa que conduz pesquisas com usuários do meio online para analisar e entender hábitos e perfis desses clientes, o setor registrou 88,3 milhões de pedidos ao longo de 2013, o que representa um aumento de 32% em relação a 2012.
Passe valorizado
Num mercado ávido por profissionais com o mínimo de competências necessárias para o e-commerce, quem tem uma formação um pouquinho diferenciada no setor pode ser disputado a tapa (nesse caso, a ouro) entre as empresas. “Algumas companhias fazem um ‘acordo de cavalheiros’ e não buscam candidatos em concorrentes ou fornecedores”, diz Renata.
“Mas muitas não têm essa prática e acabam, sim, pegando funcionários do vizinho.” Como resultado, o passe desse profissional está valorizado. Segundo a headhunter, algumas empresas chegam a pagar 30% mais para um empregado mudar de lado, o que leva as companhias a estabelecer políticas diferenciadas para segurar os melhores.
A pequena Estante Virtual, site que reúne sebos virtuais e conta com 40 funcionários, por exemplo, investe no chamado “empreendedorismo do ócio”. “Acreditamos que 6 horas de trabalho efetivamente produtivas compensam as 8 tradicionais praticadas no mercado”, diz Carolina Reis, gerente de RH da empresa.
A ideia do programa é proporcionar mais tempo livre para os funcionários se dedicarem a projetos e atividades pessoais, trabalhando mais relaxados e completamente focados nas tarefas diárias. “Conseguimos reduzir bastante o absenteísmo com essa prática”, afirma.
Já o Mercado Livre, plataforma de compra e venda de produtos existente desde 1999, optou por caprichar no pacote de benefícios. No início, a empresa oferecia apenas vale-transporte e vale-alimentação. Hoje, a cesta é farta. Além de plano de saúde, vale-combustível e auxílio-creche, os funcionários contam com serviços diferenciados, como consultas com nutricionista e sessão com massagista.
“O RH se estruturou para apoiar o crescimento da empresa e manter todos engajados”, diz Helen Menezes, gerente de recursos humanos. Isso significou também criar uma identidade e estruturar a cultura. “Somos o primeiro emprego de muita gente. Nosso maior desafio é aculturar esses jovens ao estilo do Mercado Livre e do e-commerce, um setor totalmente diferente”, explica Helen.
Em 2006, a liderança recebeu um treinamento para propagar o estilo da companhia aos funcionários. No mesmo período, a empresa desenvolveu um programa de integração, que é atualizado anualmente desde então — neste ano, o Mercado Livre lançará ainda um vídeo institucional para complementar a ação. “Hoje, o programa de integração leva uma semana e conta com a participação do gestor de cada área”, diz Helen.
Mesmo com uma política de RH mais estruturada, o RH ainda sente dificuldade em atrair mão de obra especializada, especialmente para as áreas mais técnicas, em posições como a de desenvolvedor. A solução? “Conseguimos contratar esses profissionais autônomos oferecendo uma estrutura mais flexível”, diz Helen. Por isso, a empresa não impõe horário de trabalho fixo e permite o home office.
Ser maleável, na opinião de Alberto Luiz Albertin, coordenador da área de tecnologia da informação e comércio eletrônico da Fundação Getulio Vargas, pode ser a chave para o sucesso no comércio eletrônico. “Esse segmento se atualiza em grande velocidade, o que requer flexibilidade e agilidade das organizações”, diz. Tudo tão rápido e ágil como uma compra online.
FONTE: Exame
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