segunda-feira, outubro 21

Classe média: carteira de trabalho vale mais que o cartão de crédito



Consumidores da Classe C podem manter ritmo de compra, mas emprego formal e questões relacionadas à saúde e educação devem avançar nos próximos anos


Se a nova classe média fosse traduzida num símbolo, ele não seria o cartão de crédito. A sustentabilidade de seu crescimento tem a ver justamente com o aumento do emprego formal e por isso, a carteira de trabalho seria a melhor imagem a refletir esse grupo. O maior acesso às oportunidades do mercado foi acompanhado por mudanças no comportamento deste grupo. Um exemplo é que as pessoas desta faixa vêm tendo menos filhos. Estes fatores podem ser a chave para garantir que a classe média mantenha o seu ritmo de consumo nos próximos anos.
Estas mudanças comportamentais foram tema do 7º Seminário Internacional Senai de Comportamento e Consumo. Os números mostram que a renda subiu especialmente para as pessoas com mais baixos atributos produtivos, mas a noção de pertencimento a uma classe social tem a ver com uma interpretação mais particular. Duas pessoas com rendas mensais parecidas se enxergam como de classes diferentes dependendo de onde moram, por exemplo. Não é o consumo, ou não apenas ele, que faz um brasileiro se considerar pobre.
O grande protagonista do crescimento da Classe C continua sendo o trabalho. “Entre 2003 e 2009, enquanto o lado consumidor andou 22%, o produtor cresceu 38%. Ou seja, não é que a Classe C tenha resolvido pegar mais crédito para consumir, ela teve acesso à carteira de trabalho, teve menos filhos, pôde cuidar melhor deles e eles chegaram a empregos formais. Por isso, chamo de ‘lado brilhante’, porque é o da geração de renda”, comenta Marcelo Neri, PHD em Economia pela Universidade de Princeton, Presidente do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea) e autor do livro “A Nova Classe Média: o lado brilhante da base da pirâmide”, em entrevista ao Mundo do Marketing.
“Pibinho” de 2012 X Pnad


A classe média brasileira tradicional surgiu nas décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura militar, no período do chamado “Milagre Econômico”. Embora o país tenha crescido 13% ao ano durante seis anos, o desenvolvimento gerou o aumento da desigualdade social. Na década de 2000 surge a nova classe média, especialmente a partir de 2004 com o Plano Real. Entre 2003 e 2011, 40 milhões de pessoas foram incorporadas à classe C, totalizando 49 milhões nas classes ABC.

O grande teste para este novo grupo foi o chamado “pibinho” de 2012, que cresceu 0,9%. Por outro lado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a renda média na casa das pessoas cresceu 8,9%. Embora não se deva descartar a importância do PIB para compreender o cenário econômico, há uma evidente dissonância em relação à renda das pessoas. “O número de crescimento vai depender de onde você olha”, explica Marcelo Neri.
Outro fator que pode tornar confusa esta análise das pesquisas é que grande parte dos novos mercados estão na periferia e no campo, grupos tradicionalmente excluídos. Por isso, as marcas precisam saber que não estão vendendo mais do mesmo e para os mesmos, porque o consumidor é novo e é preciso pensar em como chegar a ele.
O que esperar para o futuro da classe média

Diante das mudanças de cenário, o que esperar para 2014 sobre a nova classe média? O ritmo de crescimento pode se manter, mas existem outros desafios que atingem diretamente este grupo. “Estamos vivendo há 10 anos a redução da desigualdade, com crescimento e com emprego formal. Acho que o desafio é elaborar uma nova agenda, com uma revolução na qualidade de saúde e educação e o combate à corrupção. E 2014 é ano de eleição”, projeta Marcelo Neri.

No começo de 2013, houve um tropeço no mercado de trabalho, o que pode ter a ver com as manifestações de junho, já que, mais do que o PIB, o que conta para as pessoas é a renda em casa. “Em 2012, a desigualdade que vinha caindo havia 10 anos consecutivos deixou de cair. Os dados desse ano mostram que a situação se inverteu: a desigualdade que tinha estacionado voltou a cair”, compara.

Se ninguém esperava as manifestações de junho, talvez isso tenha ocorrido, porque os especialistas não olharam na casa das pessoas. Para nova classe média, possuir o que todo mundo têm não é o suficiente para que uma pessoa se perceba de outra forma. “O que dizem é que, embora eu pareça com todo mundo, tenha o que todo mundo tem, não sou como todo mundo. Se pisar na loja tal serei mal-tratada e para ir ao trabalho é um inferno, porque levo três ou quatro horas. O preconceito aparece de inúmeras maneiras”, explica Leticia Veloso, PHD em Antropologia pela Universidade de Chicago e nos Estados Unidos e Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense.
A economia pode andar bem ou mal, mas, independente disso, o Brasil é o país campeão de felicidade futura há alguns anos. Nas pesquisas do Instituto Gallup realizadas entre 2006 e 2011, as notas brasileiras superaram os demais 160 países pesquisados. Contudo, essa característica cultural acaba refletindo no comportamento de consumo e até na maneira como o brasileiro lida com suas finanças. Um exemplo disso é a ideia de que não faz sentido poupar, porque a vida estará melhor. “É o brasileiro profissão esperança”, brinca Marcelo Neri.

FONTE: mundodomarketing

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