Olhando os dedos de Daphne, 4, correr com tanta destreza sobre
as telas de tablets e smartphones, é quase impossível não perguntar: onde será
que ela aprendeu tudo isso? A menina usa esses aparelhinhos desde um ano e meio
de idade, sem nunca ter recebido instruções específicas para tal (veja vídeo
abaixo). “O que me surpreendeu não foi ela conseguir usar o iPad, mas ela
mostrar algumas habilidades que eu não sabia que crianças dessa idade tinham”,
brinca o holandês Maurice de Hond, pai de Daphne, comentarista político desde a
década de 1970 e especialista em tecnologias conhecido em seu país. Na intenção
de prover a melhor educação possível para a menina, conversou com o responsável
pela educação de Amsterdã e recebeu a proposta de formatar escolas que fossem
mais adequadas às novas gerações. Desafio feito, desafio aceito. No mês que
vem, Hond e sua equipe inauguram duas Steve Jobs Schools e outras nove já
existentes começam a usar o conceito de introduzir iPads como principal
ferramenta do aprendizado.
“Já estava pouco satisfeito com a forma pela qual as escolas na
Holanda estavam lidando com o desenvolvimento tecnológico e agora [com a filha
mais nova] eu via uma nova geração que já era digitalmente hábil antes de ter
que ir à escola”, disse Hond em entrevista ao Porvir. Pai de cinco filhos, o
incômodo do holandês com o sistema educacional atual reuniu, portanto,
insatisfações pessoais com um know-how que acumulou ao longo de sua vida: Hond
aprendeu a programar ainda em 1965, quando era muito raro alguém se interessar
por tecnologias digitais, foi pioneiro no lançamento de empresas que se
apoiavam nos recursos digitais e, em 1995, escreveu o livro “Thanks to the
Speed of Light” (obra não traduzida para o português), que o fez se tornar uma
espécie de guru da internet.
Hond conta que, antes de Daphne, havia tido uma experiência
muito diferente com cada um de seus quatro filhos. Dois haviam se saído muito
bem nos estudos, enquanto os outros dois haviam tido muita dificuldade. “Na
época, eu achava que isso se devia às características de cada um. Mais tarde,
eu percebi que eles tinham muitas habilidades sofisticadas que não se
encaixavam no sistema escolar tradicional, mas que eram muito importantes para
suas carreiras. Então eu entendi que o problema não era que meus filhos não
fossem bons na escola, mas o sistema escolar não era bom para as qualidades
únicas dos meus filhos”, disse o especialista em tecnologia. Ao observar a mais
nova e o tanto que ela já sabia antes mesmo de entrar na escola, decidiu-se: “Minha
conclusão foi que eu não queria levar minha filha para uma dessas escolas”.
Foi então que começou o desafio de pensar modelos de escola
física e pedagogicamente mais adequados ao mundo de hoje. Reuniu uma equipe com
experiência em educação e colocou às mãos à obra. “Nós desenvolvemos um
conceito de escola baseado no fato de que os iPads existem”, diz ele. Assim,
nas suas escolas, que atenderão crianças de 4 a 12 anos, todos os alunos terão
um desses dispositivos à disposição. As crianças não serão divididas por
séries, mas em dois grandes grupos por idade: um de 4 a 7 anos, outro de 8 a
12. “Dentro desses grupos etários, haverá subgrupos com cerca de 25 crianças
cada e um professor/tutor. Teremos momentos em que esses grupos estarão juntos
fisicamente na escola, mas em outros as crianças estarão em algum lugar do
prédio trabalhando em seus iPads ou em alguma sala ou ateliê específico”,
explica.
crédito Tommy Klumker
Como os alunos se reunirão em grupos, mas também ficarão muito
tempo desenvolvendo projetos e atividades sozinhos, o horário é bem flexível.
Todos devem estar na escola no período das 11h às 15h, mas o prédio estará
aberto e funcionando das 7h30 às 18h30 para que os alunos possam fazer outras
atividades em grupos menores ou trabalhos específicos antes ou depois do
horário principal. “A escola virtual não fecha nunca”, completa ele destacando
que o iPad permite que as atividades pedagógicas prossigam de casa ou qualquer
lugar fora da escola.
“O iPad é uma ferramenta perfeita para a personalização do
ensino. Com ele, as crianças conseguem se desenvolver fora da zona de conforto
do professor e também sem as limitações de ter que respeitar a velocidade ou o
nível do aprendizado de outros colegas de turma”, afirma Hond. Para
personalizar o ensino, as escolas vão optar por tipos de aula muito diferentes
das tradicionais, divididas por disciplinas. “É claro que existem alguns
componentes básicos, que são conectados com as línguas holandesa e inglesa
(para alunos mais velhos), cálculo e conhecimentos gerais. Mas isso também será
ensinado por ferramentas mais modernas (…), como aplicativos”, completa ele.
Outra abordagem que será muito utilizada, detalha o
especialista, é a de aprendizagem com base em projetos. “Você pode ter um
projeto sobre um copo de café que inclua componentes de geografia, história,
química, biologia e mais. Ao fazer esses projetos – para os quais desenvolvemos
um app de gestão que permite a comunicação entre os alunos, os professores e os
pais – cada estudante aprende muito mais”, defende.
O iPad é uma ferramenta perfeita
para a personalização do ensino. Com ele, as crianças conseguem se desenvolver
fora da zona de conforto do professor e também sem as limitações de ter que
respeitar a velocidade ou o nível do aprendizado de outros colegas de turma e para saber o quanto cada aluno
avançou e estabelecer metas para o períoso seguinte, uma conversa entre
professor, aluno e pais está prevista para cada cinco ou seis semanas. Isso
fica facilitado porque tudo o que os alunos produzem fica registrado em
portfólios digitais acessíveis a pais e professores. Também por um programa
desenvolvido pela equipe de Hond, o iDesk Learning Tracker, ficam acessíveis as
atividades que os alunos realizam nos aplicativos e seus desempenhos com
relação ao grupo. “Nós queremos que os alunos usem os iPads também para
registrar coisas que saibam ou aprenderem durante os projetos em várias formas,
como vídeos, áudios, foto, e-book, mindmap, animações. Achamos que isso é um
valor agregado novo e revolucionário que os tablets trouxeram e que realmente
vão fazer a diferença”, avalia.
Mas para que os alunos tenham acesso a uma educação tão
diferente, um fator tem sido muito importante: o preparo do corpo docente. “Os
professores que estão participando estão cientes das mudanças. Nós oferecemos
treinamento e formamos uma comunidade de cerca de 100 professores que vão
trocar experiências e ajudar uns aos outros. Mas, claro, parte desse caminho
ainda é desconhecido”, pondera Hond, que diz vir repetindo aos educadores:
“confie nas crianças”, “não queira assumir o controle de tudo” ou ainda
“permita que as crianças te surpreendam” para mudar o paradigma atual. “Hoje a
criança só aprende o que os professores podem ensinar. Se ela tem talentos fora
do escopo do professor, não se pode fazer nada com essa habilidade dentro da
escola”.
Duas escolas Steve Jobs abrem
agora em agosto. O nome, afirma Hond, é para lembrar o homem que “mudou o mundo
ao combinar tecnologia e criatividade” – homenagear pessoas célebres com nomes
em escolas é um hábito na Holanda. Outras nove escolas que gostaram da proposta
também iniciam o próximo semestre adotando o modelo. Na Holanda, as cerca de
7.000 escolas que atendem à faixa etária dos 4 aos 12 anos são relativamente
livres para implementar seus projetos pedagógicos, desde que cumpram as
exigências de qualidade do governo e mantenham uma média pré-determinada de
alunos por professor. O governo subsidia a manutenção do aluno nessas escolas
com cerca de €5.500/ano.
FONTE: porvir
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